De quem é a culpa?

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Significante X Significado

Trilha Sonora: Expresso 2222 - Gilberto Gil.

Colocar nome e slogan (que aqui considerarei como parte do nome) em estabelecimento comercial, independente do segmento, é coisa séria. Alguns metem os pés pelas mãos. Quando o resultado não é o esperado, a coisa pode ser bem divertida. Fico imaginando quais os critérios de escolha das chamadas que ficarão, à vista de todos, expostas na frente desses recintos.
Resolvi perguntar. As respostas foram as mais variadas:
- Faz referência à minha família.
- Achei sonoro.
- Tenho um cachorro que se chama assim.
- Acho que achei bonito.
- Sei lá!
Dando um giro pela cidade e região metropolitana, não é incomum se deparar com certas pérolas que, se possível, tentarei enumerar aqui em categorias.
Na categoria dos equivocados, o “Hotel Litoral”, em São Brás, praticamente no centro da cidade, tem como vista panorâmica o terminal rodoviário ou, talvez, os constantes alagamentos após uma chuva grossa. Perto dali, há a “Escola Adventista São Brás”. Aí você pode perguntar: qual o problema? Bom, a não ser o fato dos adventistas não cultuarem santos. Nenhum.
Na travessa Humaitá, em frente ao “Hospital Saúde da Mulher (Hospital extremista, feminista), há o bar e restaurante “Ph1 e Ph2”. O nome faz referência, segundo minha assessora da área de saúde, às células imunológicas encontradas no sangue. O local deve ser frequentado por vampiros, cuja especialidade da casa é o prato de pescoço de galinha ao molho pardo e a bebida é uma boa e velha sangria. Parece que existe outra definição na área da Química. Mas, mesmo que eu esteja errado, nada justifica esse nome.
Um amigo meu teve um bar que se chamava “Bocadillo”, que quer dizer sanduíche, refeição ligeira. Bom, além das pessoas lerem Bocadilo, na redondeza, a não ser que alguém perguntasse, só ele sabia o significado do nome. Sugeri que ele pusesse um mini dicionário espanhol-português-espanhol no cardápio. De sanduíches claro!
Na categoria dos não inspirados, há proprietários que gostam de colocar na frente do estabelecimento coisa do tipo “Bar sem nome”, dando, desta forma, nome ao bar. O motel “Cê que sabe” pressupõe dúvida que pode levar todo o planejamento de uma noite ou de um dia por água abaixo. Melhor seria algo como “Foi bom pra você?” ou “Não se afobe” ou “Tá decidido!” ou “Já era!”.
Na categoria dos bairristas, há aqueles que, eu acho, não deram certo nos seus estados. “O Gauchão” e “O Gaúcho”, os dois na João Paulo II, se orgulham em dizer que vendem “o verdadeiro churrasco gaúcho”. Vem de onde essa carne? De Porto Alegre? Deve demorar muito. Eu acrescentaria: “O verdadeiro churrasco gaúcho feito em Belém”. Já o “Recanto Paraibano" é frequentado por paraenses.
Na categoria dos “não colou”, alguns comércios têm nomes que não pegam ou não pegaram nem por decreto. O Refúgio dos Anjos (Anjos? Só se for fantasiados durante o carnaval) é conhecido como o ”Bar da Ângela”; o bar “Encontro dos Amigos” era o “Copo Sujo” (e esse fazia jus ao pseudônimo).
O Bar do meu amigo Dorico fez o percurso inverso, pois jamais teve nome pra pegar. Chamávamos de trailer, mas isso não é nome. Porque trailer é trailer! Tanto é que, bem próximo dele, havia o “Bar do Bujaru”, um trailer também, que trocava de nome, involuntariamente, conforme o grau etílico dos clientes. Passava a ser “Bar do Jaburu”.
Nomes longos também são comuns em algumas casas. Nessa categoria, a dos prolixos, certos nomes podem acarretar alguns contratempos. Veja o caso de dois amigos que conversam ao telefone:
- Alô? Ei, cara, eu estou indo lá no THE OLD SCHOOL ROCK BAR. Passa lá.
- Onde? Como? A ligação tá ruim. Não entendi!
- Passa aqui no THE OLD SCHOOL ROCK BAR. Estou te esperando.
Não é loucura. É porque até você terminar de dizer o nome do bar, você já chegou nele, fora o nó que você dá na língua. Outro desse que quase não coube na fachada foi o “Game Planet Lan House e Cyber Café”. Ora, nesse caso, o proprietário pode até se defender, mas se o problema não estiver na redundância da informação entre game e lan house, certamente estará no nome “café”, já que lá não se vende nem guaraná tuchaua fracionado.
Na categoria dos MSN (muito sem noção), alguns lugares pararam no tempo ou perderam o bom senso. A maioria das lojas de conveniência da cidade fecha às 22h. Depois desse horário, você é inconveniente. O dono do “Belém Grill” é dono e flanelinha e os fregueses devem sair com indigestão após ouvirem aquele teclado. O bar “Vinil” só tem DVD, o bar “Copa 70” é tri e não penta, e o restaurante “Bombom de Alho” é sem comentários. Nossa... até rimou.
          Certo dia, estava almoçando com os amigos num restaurante muito bom e simpático que se chamava Laphayette (é assim mesmo: com “ph” e dois “tês”), em Mosqueiro. O meu amigo, querendo ser gentil, estabeleceu um diálogo com o dono do local.
- Olha, seu Laphayette, parabéns! A comida estava uma delícia.
- Ah!... Obrigado...
Um breve silêncio foi interrompido quando o simpático senhor esbravejou:
- Passa daí, Laphayette!! Cachorro nojento!
Olhei para meu amigo que se enterrava de vergonha e disse baixinho:
- Pergunta a raça, diz que o cachorro é lindo e depois vamos embora.
Deveríamos ter percebido que a placa imitava a forma de um basset.
        Na categoria dos descolados, alguns nomes são até interessantes. A trilogia “Doca Espeto”, “Dom Espeto” e “Dom Visconde” têm em comum, além da aliteração, o fato de ou venderam espeto ou de ficarem na Doca. É um inferno! Vivem lotados. Haja espeto! “A Toca” é um local onde as pessoas ficam de "toca". Os garçons “viajam” mais que o dono e não tem cerveja gelada. Me pergunto por que eu ainda vou lá.
Observando esses desencontros, gente, dentre tantas possibilidades que seriam cansativas enumerá-las aqui, até por que me concentrei mais nos bares (por que será?), não estranhe se algum dia você passar pela rua vir algo do tipo:
“Cemitério the last parade: cyber café e lan house 24h – Mortos têm área VIP”.
                                                                     
                                                                              (Por Fabio Castro)

7 comentários:

  1. Jà estou vendo: um outro sucesso de crítica e de público!!! Merecidíssimo, aliás!

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  2. Cada vez que leio, gosto mais, principalmente da acidez do narrador! heheheh!

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  3. Espetacular!
    Meu irmão, você conseguiu trazer Belém pra dentro do blog!

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  4. Concordo com o Renato. O texto está, todo ele, embebido com rudeza pagã.

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  5. Como lhe disse pessoalmente, Fabio: és um cronista nato.

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  6. Adorei, uma delicia de texto e fora que ele me desvendou alguns mistérios , primeiro não sabia o significado de Bocadillo , outra nunca comi um sanduiche lá, juro que nem sabia que tinha esse serviço ( tambem só ia para beber ) e o trailer ? cara me dei conta que batizamos nosso reduto da vileta de TRAILER
    Cynthia Segtowick

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  7. texto muito bem escrito. mordaz ao mesmo tempo perfeito. tu sabes...

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