De quem é a culpa?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Digo que matei

(por Marlon Vilhena)
Homenagem a Rubem Fonseca
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Trilha Sonora: Reflection of Clarity (Distraught), Du Hast (Rammstein)
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Quando eu digo que matei, é porque matei. Sem essa de frescuras comigo. O último a passar na frente do meu cano foi um flanelinha da Praça da República. Coitado, eu admito, era um pobre coitado, tava tentando ganhar a vida sem fazer muito esforço, fingindo que guardava o meu carro, com um colete amarelo como se fosse algum funcionário credenciado do município. Mas eu juro que não tinha um mísero centavo comigo naquele momento. Expliquei pra ele, mas o sujeito não quis acreditar. Tentei ser educado, dizendo que eu não precisava pagar por um estacionamento que era grátis em qualquer canto daquela praça, mas o cara não acreditou em mim. Eu sinto que ele não acreditou. Ele sairia ileso dali naquele dia, caso não tivesse me deixado ver o cuspe que lançou em minha direção quando eu sentei atrás do volante. Um cara desse tipo tem de ser muito babaca pra cometer um deslize tão grave. Sabe como é: o sangue fluiu todo pra cabeça e daí não tem jeito. Saquei a .44 de debaixo do banco do motorista, ele estava de costas, voltando para um dos bancos de concreto onde ficava coçando o saco. Fiz psiu, ele se virou. Não deu tempo do idiota arregalar os olhos, foi chumbado ali mesmo, no meio da calçada, a cabeça deu um tranco para trás com o impacto da bala perfurando o olho direito. Sim, houve um senhor que viu e saiu logo do meu campo de visão, uma senhora gritou e correu, começou a confusão. Foi então que aproveitei pra me mandar dali, ainda tinha uns assuntos a resolver antes da noite cair. Eu já avisei pra todo mundo que me conhece: detesto cusparadas, ainda mais como gesto de insulto. Um homem que faz isso não é homem, é verme. Se não me conhece, é uma pena.

Da outra vez foi no interior, final de semana, não lembro em que cidade. Entrei num barzinho daqueles com música ao vivo, pedi um chope e tiras de filé acebolado. Não incomodei ninguém, eu nunca incomodo ninguém. Mas um bêbado gostou da minha cara, e veio já sentando ao meu lado, batendo nas minhas costas, me chamando de amigo. Eu não tenho amigos naquela cidade. Minha mãe sempre disse que eu era um sujeito de poucos amigos. Pedi pro pinguço se afastar, ele fez que não era com ele. Pedi de novo, o cara se ofendeu e saiu me chamando de filho da puta e corno. Ele não conhece minha mãe, que sempre foi uma senhora muitíssimo distinta, que Deus a tenha, e muito menos sabe que nunca fui casado pra ter a chance de ter cornos. Acompanhei a criatura com o olhar saindo do estabelecimento e atravessando a rua. Paguei a conta, deixei o filé pela metade. Aquilo me deixou bastante irritado, não desperdiço comida, é uma tremenda falta de respeito com o cozinheiro. Segui o rumo do bebum, virei a esquina. Lá ia ele, olhando pra baixo, balançando pra lá e pra cá. Chamei, o sujeito não respondeu, chamei novamente, então ele se virou perguntando o que é, caralho. Daí, sabe como é: o sangue subiu, como sempre. Um tiro no centro da testa, o cara afrouxou os joelhos e foi deitando devagar, tombando pesado numa poça de água que havia por ali. Comigo é assim: falta de educação é imperdoável. Quem não sabe disso, acaba sabendo rápido.

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