De quem é a culpa?

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Poema à boca fechada

(por Marlon Vilhena)

Trilha Sonora: um minuto inteiro de silêncio.


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

(José de Sousa Saramago)
16/11/1922 - 18/06/2010


(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)


[Que estejas bem onde estiveres, meu bom velho, brincando com palavras e apontando as falhas nossas. Que a tua lucidez guie nossa cegueira de mãos dadas. Pois que elevaste altissimamente o sentido da palavra Humanidade. - Marlon Vilhena]

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