De quem é a culpa?

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

POR OCASIÃO DOS 395 ANOS DE BELÉM DO PARÁ (republicado)


Publiquei este poema há pouco mais de um ano atrás, aqui neste blog. Não pensei em nada para os 396 anos da cidade, porque lhe pediria a mesma coisa. Republico o poema com uma pequena modificação motivada por mais uma depredação ocorrida na cidade - cf a postagem de hoje, 31/01/2012 no blog do Flávio Nassar. E, de fato, concordo com o Flávio quando ele se refere ao uso saudosista (narcisista?) da memória, quando nos falta um futuro.

Fica aqui o meu testemunho diante da Belém pós-moderna.


(Trilha sonora: Cesarea Évora & Pedro Guerra, "Tiempo y Silencio"; R.E.M., "Everydody Hurts")

De que te defendes, cidade?
Os teus canhões, para onde apontam?
Quem eles querem afastar?
Teus corsários franceses?
Já se foram.
Os piratas ingleses?
Não vieram.
Os invasores holandeses?
Não chegaram...
Os galeões espanhóis?
Naufragaram...
Teus índios aldeados?
Já desceram,
Já morreram,
Já renasceram
Em outros contextos mais pobres.

De quem te defendes, cidade?
De mim – que teme os teus ratos?
De mim – tão preso a contratos?
De mim – e meus amigos rotos?
De mim – e minha lucidez de tragos?
De mim – estudioso dos teus textos tortos?
De mim – perdido em teus interstícios vários?
De mim?
De mim?!?!

Ah, cidade,
Somos feitos da mesma matéria -
Sonho, cimento e mania.
Miramos a mesma liberdade -
Vastidão da tua baía.
Partilhamos do mesmo destino -
Porto de chegada e partida.
Banhamo-nos no mesmo desgosto,
Imersos em vulgaridade colorida.
Irmanamos na mesma penúria -
Artigo de camelô da esquina.
Nos ferimos em auto-flagelo -
Sangue em devoção à Maria.
Habitam-nos as mesmas mulheres:
Meu Amor, filha e filha.
Motorizados na mesma pressa
De trânsito, calor e agonia,
Testemunhamos a mesma miséria -
Lixo e mendigos nas guias.
Lavamo-nos na mesma chuva -
Força que as tardes esvazia,
Seguimos os mesmos passos
Na dureza da lioz pedraria.
Contemplamos os mesmos monumentos -
Sobras de galicismo e lusofilia.
E de memória traçamos itinerário
De cosmopolitismo e história tardia,
Por entre as velhas fachadas das casas
E seus r(e)ostos de azulejaria.
Sob as sombras verdes dos parques
Entre turistas, grama e argila,
Espero com minha parca crença
De perspectivas, criação e poesia,
Que tua mutêz ruidosa ouça
- mesmo que não seja ainda -,
Meu rogo a ti, cidade à deriva:
Não me apontes teus canhões por um dia.



domingo, 29 de janeiro de 2012

BESTIÁRIO (de Marcos Salvatore)

by James Ensor

A experiência do amor
Ardia
Pedia ao mesmo tempo
Em que se
Perdia na noção surpreendente
De ter mais para dar
E encontrar seu plural
Dentro de tantos singulares sem valor
Perdia concílio entre os demônios,
Pedia cama para realizar os sonhos
Pedia chão para os joelhos trabalhosos
Ou seja,
Certeza de problemas
E
Fotografias
Lembranças de um tempo bom
Até virar
Corações super postos
De um mesmo pedaço de plástico
Quente e maleável
Ou barco de papel à dois
Boiando em contra mão
Num período de lampejo
E
um coração hesitante
Se jogar escorregante
Finalmente
sobre o suor de outro que chegou
e completar o refrão
de suas batidas

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A SOBREVIDA DE NAPOLEÃO (de Ageu Pazoud)

In Waterloo

Ora, logo o pobre Napoleão

Dono de uma boca

inconsolável e mente arredia,

foi ter com a morte.

Gritava com ardor,

mas cheirava a desespero,

certo de que seu grito a espantaria.

Sorvia, a Morte, aquele grito.

Deliciava-se, a Morte, com tais sons.

E maior desespero, maior desespero,

despedaçava seus culhões.



Arrematava com uma argumentação de Estadista.

Sôfrego, piscava os olhos.

Detinha-se perigosamente a frente da foice.

Esquivava-se, como bom lutador

O bailar de suas pernas incomodava a Morte.

E sorvia-lhe mais um pouco da vida.

Sabedora que sua proposta final,

adentrar no abismo sem causa,

era o golpe derradeiro.



Já admitia, a Morte,

um fim para tão preparado homem.

Continuavam a digladiar-se.



Napoleão cruzava a espada no ar,

Timbalava um risco sem tons

Afastava um pouco da fumaça

O enxofre fumegava a certa distância

Ardia-lhe nas narinas

Dor, desespero, vertigem, traição,

e ainda 7 pragas capitais

combinando seu fim.



Pronto a argumentar a solução do abismo

(Lhe restavam forças ainda)

Bom lutador Napoleão...



Velho, velho, velho Napoleão.

Acordado de um sono insolente,

Despertado para ganhar o mundo,

mas sempre tão arrogante.

Apostas na arrogância tua mente.

E sofres com retidão

Mas acendes a dúvida no coração alheio.

Não te vais simplesmente,

queres antes teu reconhecimento.

Assim disse a morte.



Argumenta Napoleão:

- Tu prestas serviços ao mundo.

E julga, segundo teu argumento,

a tristeza, o ardor d’alma,

a alegria, como fins de meu tempo

ofegante, sondas a ultima maneira

de dizer que sobrevives...

sobrevives à palavra e na morte.

Oh MORTE!

sobrevives na Morte!



Enchente

Transbordante

Jogas a todos no mesmo lugar



Podes isso Napoleão!

És Senhor, e arrogante também!

Imperas sobre os mortais

Joga tua lança e amedronta-me!

Amedronta a alma alheia,

e serve-se como presente.

És um argumento forte

para eu partir.

Arrebata o som para ti

dos címbalos que ecoam

diante de um trono que já não pertence

à Zeus.

Usurpador de almas!



Toma-o! Toma-o!

Faz da vida a tomada da luz.

Mas não te cegas

Joga com as propostas e renasce!



Sem dizer nada

Sem questionar nada mais

Mas querendo muito arrebatar o mal de ti.

E o bem já te absolveu.

Julgo que o mal já te quer eterno...

Bem e Mal com vida dentro de tua morte.

Pede passagem Napoleão.



Seu suor tocou a areia fumegante

Suas pernas que bailavam

agora trêmulas, quedavam o Imperador.

O mal já lhe queria eterno.

Sobe.

Toma teu lugar.

Segue comigo.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

NO INTERIOR DE UM BEM MAIOR ou ÁREA DA BAÍA (de Marcos Salvatore)

by Namio Harukawa

SOBRE O INTERMINÁVEL SISTEMA DE APELOS EMOCIONAIS

Um homem e uma mulher...
Gritam à procura de seus verdadeiros nomes
Pelas noites  do bairro do Comércio


Bateria de blues, por favor

Mas existem motivos insuspeitos (amargos?)
Para que relacionamentos existam:
O cinema dos anos 70 é um deles (...)


Mas as separações levam meses.


Terminam em filas de cinema, corredores de teatros
Elevadores, em esquinas ladrilhadas
Dentro de carros
Estacionamentos por hora
Ameaças de gravidez
e-mails não enviados, ou lidos
redes sociais


ESTA É A CIDADE DE BELÉM. NÃO MEXA COM NINGUÉM!

Acordei chorando e com o pau vermelho, ardido
Penso: - “Outra briga”.
Havia algo quebrado na cama, porque eu não conseguia levantar
Talvez fosse o amor me aleijando de vez.

Amor?
(...) – “Está falando daquilo que sentimos pouco antes de percebermos que gostamos de alguém?”
Mas o amor é o ganha pão de muita gente.

Bandas de axé, pagode e forró geram dor de cotovelo em massa
Por causa de sexo e dinheiro
Definem um tipo certo de bunda, de seio, de cor de pele
(...) de preço na lata
Atitude jamais, cruz em credo, existe o Círio, pagam bem

SUPONHO QUE O CARNAVAL SEJA MAIS ATRAENTE

Olho para aquele tamanho suculento e cansado de bunda
E penso, altruísta, comigo:
- “Continua gostosa!”
Mas me senti numa piada do Costinha:

“Me cantou três meses para...”

Ela me percebe acordado
Vira-se
Seus vinte e dois anos me flagram tendo medo
Diz, jocosa:

- “Pega minha bolsa. Pega.”
Ali, naquela coisinha, em cima daquela coisinha.
Penso: - “Coisinha é o caralho!”
Minto: - “Não te comi por dinheiro.”

- “Achou minha buceta uma bosta?”
Minto: - “Não tenho raiva de você.
Apenas não tenho mais nada a dizer.”
- “Toma. O dinheiro do aluguel” – ela diz.

Ouço um pouco de choro tenaz enquanto visto a calça amarrotada:
- “Você nem me beijou” – ela se queixa, detalhista, como sempre.

O resto veio num estalo:
Começando pela guerra dos sexos e os direitos civis.

Penso em Augusto dos Anjos,
Penso no movimento feminista mundial,
Penso nas dietas, no voto secreto, rock’n’roll psicodélico,
No esperança socialista e boa praça,

No povo brasileiro, violento por natureza (nas novelas, não).
(...)
Mas não entendo nada disso.

Portanto,
e pela primeira vez,
respondo sem temor,
coçando o braço direito:

- Fiado só amanhã.


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Pensando no que aconteceu no fim de ano (de Ageu Pazoud)

by Willy Ronis

Começo o fim pelo meio
afagando minha alma
(tão cheia de lascívia)
Voltando a cumprimentar o início,
sem dizer muita coisa.
suspendo a mão direita,
estendendo-a,
dou meia volta.

Sabedor que não temos final feliz,
salto num instante.
Retorno ao meio,
e construo da vida
uma grande esteira,
furtando de tudo o momento final.

Recomeço o meio
sempre antes do instante
que já se confunde com o fim...
Mas é somente confusão.

O tempo em minha esteira
tem começo meio e fim.

Sabedor que não tivemos
um início tão feliz assim
salto em direção à um começo
enquadrado no centro,
e confundo fim com o início
e início com meio.

Em minha esteira mando eu!
Ninguém aqui a determina.
Minha esteira somente a mim
determina!

O terminal não chega nunca.
Fujo do presente como inicio,
que como passa, passado é
num breve instante.

Salto para o fim...
Um fim que já se confunde com o início
Mas é apenas confusão.

Corro por sobre a esteira
arredondando a vida
para buscar
extirpar as extremidades...
Suficiente para me confundir
a mente que maltrato.
Mas é apenas confusão.
Parto assim, sem fim
e nem começo.
Apenas começo do meio
fim do fim.


segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

FÓSFOROS (de Marcos Salvatore)


Orifício nº 001/2012
Belém, sexta-feira 13 de janeiro de 2012.
Ementa: - “Boa para o hálito”

(...)

Onde ouvi isso? Não sei. Pode ter sido um truque auditivo, resquício selvagem dos sucessivos pesadelos daquela semana. (...) Não sei falar sobre isso, mas ando sem casa; esse texto também. Quero apenas que vocês se lembrem dos primeiros acordes de Summertime. Apenas pensem neles e não precisarão ler tudo.
Não percebi a cerveja fazendo efeito. Talvez tenha coincidido com uma vontade lasciva de fumar, somada à constatação confusa de que já passavam das duas - minha mochila estava escondida atrás de um freezer, para secar, tinha pego muita chuva da tarde, também com o fato de que minha grana dava selado para uma van, acompanhada de um completo da tia Roxita, na rodoviária.
Uma mensagem:
- Sal, se não me ligar não te dou mais nenhum tostão. Vai ter que se humilhar. Você não sabe com quem mexeu.
Respondo:
- Acredite, ou não, Baby, isso faz sentido pra mim.
Boiúna lotado. É possível lembrar de uma música, sem lembrar da letra, ou da melodia? Apenas vejo o sorriso da Rosa começando o show com um som fabuloso, mas não identifico aquilo, sentado na janela da frente, apenas quero. Antes do sol nascer exasperado e me flagrar ainda esperando, ainda.
Lá fora, dois flanelinhas tentam se matar com paus e pedras - Belém é a cidade mais violenta do Brasil, mas em todo caso teremos a Ivete no aniversário da cidade (a Gaby no dia seguinte), onde será consumida perigosamente mais e mais da nossa própria cumplicidade.
Um tiozinho, whiskeado, se vira e me diz: - “Ih, uh. Ó, tu queres saber da verdade?”
- Pelo amor da puta merda. Me diga que dá pra comprar parcelado.
- Ontem foi a mesma coisa. Ah, ah, ah, ah.
Preciso botar o pau para escorrer. Algum animal jogou um copo na privada (suspeitei do tio fumadaço). Aponto o jato quente e ácido para a parede, atirar, demarco território desenhando a letra M, de “mó deprê”: “a mesma coisa”.
Na porta do banheiro feminino uma mulher chora com as mãos espalmadas sobre o rosto. As amigas consolavam. Jamais saberei. Seus olhos me lembraram de alguém e de todas as conversas difíceis, de todos os ombros dados em detrimento da suposta liquidez da razão. Tarde demais para entender como é bom, às vezes aceitar o engano cometido e assumido. Sem querer, me lembro de roer as unhas, mas desisto ofegante, me pego mentindo numa intimidade terrível. Não quis entender que não deveria estar ali.
O celular:
- Oi, Amor. Você já vem?
- Daqui à pouco.
- Mentira. Você não chega. Não me liga nem pra saber se eu morri.
- Baby, eu sei que você não morreu, mas precisa parar com esse negócio de TV. Choradeira é coisa de novela mexicana.
Chegam Ageu e Hipátia. Abraço meus amigos como irmãos – gosto pra c.. deles. Automaticamente procuro por uma conhecida dos dois: ando louco por suas fotografias coloridas, suas artistagens combinariam maravilhosamente bem com meu jeito de escrever em preto e branco. Quando minha cachorrinha (um Rottweiler) morreu, desabafei com ela pelo face. Deve ter me achado inevitavelmente sem noção.
Rosa canta Gonzaguinha, depois, Vento de maio, mulheres de Touro me fascinam com seu inverso atraente, de beleza organizada e séria. Sexo. Os opostos só se atraem quando o dia seguinte for de paz.
Alguém me pergunta se eu tenho algo contra os anarquistas:- “Sim, eu tenho!”
Todos se viram, quase o bar inteiro: - “O que?”
- Bom, acho que eles não lançam nenhum disco faz um tempo.
Muita gente dançando, se abraçando: - Oiiiiiii!
- Fabio, de quem é essa música? – Vila, me arruma um careta. Tem fósforos? – Isqueiro.
Lá fora eu sinto a noite. Um casal atravessa a rua brigando, chegam a calçada, ela o empurra, ele abre os braços pra o céu estrelado, grita alguma coisa, ri, não para de rir, ela se enfurece e avança para ele... o final vocês já sabem. Voltam, passam por mim e ouço: - “Você é mau pra mim.”
- Sabe quem é aquele? É o fulano de tal!!!
- É?
Conhecidos e desconhecidos por metro quadrado se atropelam em confissões sócio-econômicas. Batatas fritas, adoro batatas fritas, mas a porção é quinze contos. Dá pra tomar um porre com quinze contos. Dá para tantos maços de cigarro. Tantos x-eggs-presunto, no Oficina. Uma hora de sexo escroto no Vermelhinho de São Braz, ou talvez, quem sabe, um táxi até a casa da Cilla: eu bateria na porta, pediria para ficar... e depois, ela chorando mansinho, chorando, enquanto arranco suas pétalas.
Uma mensagem:
- Vai te foder!!!!!!!!!!!!
Respondo:
- Acredite, ou não, isso faz sentido pra mim.
Sou um bom sujeito, mas também um tímido de obtusidade agressiva, me apaixono rápido por raparigas de sexualidade objetiva, portanto, meio cigarro depois abro demanda para uma concorrência imparcial entre o Cosanostra e a Locô, meu amigo Febre, que se diz cigano, tem desconto em ambos, quase usucapião do canto esquerdo dos balcões.
Meio trago depois concluo que o porquê de tantos bares espalhados em pontos estratégicos é apenas o fato de que algumas pessoas odeiam voltar para casa, mas adoram bares espalhados em pontos estratégicos.
Numa conversa alheia, um eleitor inscrito pergunta para outro eleitor inscrito: - “Tu vistes a minha fêmea? Cadê a minha fêmea?”
E o outro: - Tá logo ali, atrás daquela árvore.
E segundo ele: - É melhor que ela esteja mijando ou não vai ter ninguém pra pagar a conta.
Não que eu seja politizado, mas estupro combinado em rede nacional gera opinião pública e um comandante é o primeiro a abandonar o navio. A polícia está em greve. Percebo um corpo sem calcinha embaixo de vestido colado na pele suada. O corpo se aproxima, e talvez um sorriso, mas desiste ao notar a ausência pendurada das chaves do meu carro.
Lá dentro, o orgasmo, a glória e o prestígio dançam em busca de resposta, assim como eu.
O celular:
- Amor, não briga comigo, mas acho que tem alguém no quintal. Tem alguém brincando com o cachorro lá fora. Sei que está brincando por que o cachorro sempre chora quando está feliz, e ele não para de chorar. Aí, ele ganha a confiança do cachorro, dá um jeito de entrar e me come na marra. Consegue imaginar? E eu estou praticamente nua: sem calcinha, bucetinha depilada, cheirosa, biquinhos do peito durinhos. Amor? Se você não vier eu acho que vou deixara a porta encostada. A noite está tão linda lá fora, podia sair pra dar um passeio também. Por que você não vem pra casa? Amor? Amor?
Um tremor soluçado e humano me domina os olhos apertados. Respondo apenas isso:
- Baby? Seu quitinete não tem quintal. (...) Nem cachorro.


Atenciosamente,

Sal.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O PONTO CRUZ (de Marcos Salvatore)


É assim que eu sou
Você não é

Nem vou ficar te alugando
Ando desapegado
Não é assim, que se diz?

Abnegação
Altruísmo
Desambição
- Deveria ser mais fácil

Lá de não sei das quantas “nunca é tarde demais para começar tudo de novo”
Detesto fazer citações sem nome do autor
Mas não o conheço

Lá na rede todo mundo tá feliz
Tantas Bad trips,
Altas presenças suculentas
“Não sei das quantas”

Cosmogonia luxuosa
Cama pobre e tosca
Catre intenso de acordos escusos
- De que noite dessas eu saí?

E a cidade está confusa lá embaixo
Fascinada pelos detalhes sórdidos
Ponto cruz insipiente
Circo social, indigesto

Me assusta
A mim,
Forte no amor
Protegido sem querer

(...)
Mas só consigo dizer isto, agora, digo mesmo:

Estou em casa
Que é onde você devia estar
Não é longe, quase outro país BR adentro
Venha, se quiser

Porque somos o mesmo tipo de pessoa largada
Tenho vinho...
Alguns enlatados, macarrão no alho e óleo
Instantâneo

Eu tô aqui
Venha mais tarde


 

OS FANTASMAS DO RIO

OS FANTASMAS DO RIO
(Trilha sonora: "Este Rio é Minha Rua", na vozes de Fafá de Belém ou de Walter Bandeira)

Os fantasmas vieram em canoas
remando, remando, remando...
Surgiram não sei
se de alguma margem e de suas matas,
se de algum trapiche de madeira
ou se já estavam lá,
confundidos com um dos muitos troncos
e outros objetos
que viajam subjugados
pela vontade do rio.

Os fantasmas que atracaram em nosso barco
eram sorridentes
eram seminus
eram barulhentos
faziam algazarra
e falavam
e falavam!
Mas, principalmente,
nos olhavam como estranhos,
como gente de outro mundo.

Na qualidade de fantasmas
pediram tributos à sua condição:
pediram comida,
pediram moedas.

Satisfeitos ou não, os fantasmas
seguiram em suas canoas,
confundindo-se com os troncos
e com outros destinos
escolhidos pela soberania
do rio e dos ventos,
sumindo sob um véu de chuva.

Os fantasmas do rio
eram crianças.



Renato Gimenes
Entre Almeirm e Gurupá, em meio ao Rio Amazonas

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

OUTRO DIA (de Marcos Salvatore)

by Jan Saudek

Quero te beijar um dia.
Um dia.
Um dia.
Um único beijo, insano.
Depois...
Depois...
Uma única noite
Única, sim.
Depois de amanhã
Outro dia.
Outro dia.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

CHUTANDO MANGA (de Marcos Salvatore)

Eu tiro sarro, mas amo essa cidade. Amo minha família, meus amigos, as mangas que eu chuto madrugada adentro. Todo dia eu penso em cair fora, mas então me lembro da Dona Raimundinha, cabocla negra, minha vó, me catando as lêndeas urbanas. (...) Aí, é f..., bicho.
 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

QUANDO VOCÊ SEGUROU O SOL COM TUAS MÃOS

(Trilha sonora – James Taylor, “Fire and Rain”)


Sim, houve sombra algum dia
e houve lágrima
e houve espera
e houve quando
desesperaste,
certa de que a meia-noite
era a regra.

Mas isto foi antes de descobrires
que podias plantar a eternidade.


Sim, havia a certeza das migalhas
e havia alegrias
passageiras
e havia acontecimentos
passageiros,
certa de que
o Sentido
não era presença.

Mas isto foi à época
em que da vida era apenas passageira.


E sim, e veio o sorriso dela
e veio o choro dela
e veio o amor dele
e as palavras,
e veio o futuro
no presente,
quando você parou o pôr-do-sol
tornando-se dona de daquela luz suave.

Isto ocorreu
quando você segurou o sol com tuas mãos.


Renato Gimenes

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

BORDADOS DE PSICODELIA (RAINHA DO MEL) (de Dulce Quental)


Dulce Quental

Quem me fala em ponte quando eu salto no escuro,
Num artefato projeto presente, passado e o futuro.
O que será de nós, somos crianças tão velhas,
Voando nos lençóis bordados de psicodelia

Quem me fala em círculos quando imagino pirâmides.
Me vejo falando idiomas em línguas que nunca entendi.
Quem sabe nunca existi e quem está aqui não sou eu.
Apenas alguém parecido que um dia você conheceu.

Estamos tão perto agora como nunca poderíamos estar.
Você com os pés no chão, eu voando no ar.
Estamos não mais juntinhos do que a terra e o céu.
Mas que falta me faz seu carinho de abelha rainha do mel.

Você diz que é o capitalismo, eu penso em decadência.
Em como nos separamos, porque demoramos, não sei.
Você queria alianças, eu pensava em viajar.
Você sonhava Miami, eu Gibraltar.

Estamos tão perto agora como nunca poderíamos estar.
Você com os pés no chão, eu voando no ar.
Estamos não mais juntinhos do que a terra e o céu.
Mas que falta me faz seu carinho de abelha rainha do mel.

domingo, 1 de janeiro de 2012

INSTANTÂNEO XXIV

(Trilha sonora: Cássia Eller, "O segundo sol")

O Ano Novo
começou há algum tempo atrás,
dentro de mim.

(Renato Gimenes)

INSTANTÂNEO XXIII

 (Trilha sonora: Raimundo Fagner, "Flor da paisagem")

O futuro distante
se fez presente imediato
quando entendi
que minha liberdade
acontece no teu corpo.

(Renato Gimenes)