De quem é a culpa?

quinta-feira, 31 de março de 2011

O TÍTULO SÓ DEUS SABE (de Haroldo Brandão)

A trilha é do caralho.


Eu sou o cara dos anos 70
Filho do parricídio
E da geração pré-aids
Eu era a ovelha negra
E aqui estou de bermuda e chinela
sem solo
Talvez precise descartar
O que nunca precisei!
Tudo é bobagem
Exceto a presunção
e a vontade de dizer
nunca
O mundo é um moinho
Tritura semdó

TARDIA PAZ (de Juliana Calonico)

Trilha Sonora: Down em mim, Cazuza.

Sentia uma ânsia horrível.
Uma vontade imensa de vomitar o mundo filho da puta que a habitava.Trancou a porta,engoliu todos os comprimidos do frasco.Exatamente os trinta.Deixou que a água deslizasse por sua garganta.
Fechou os olhos e ficou a imaginar o universo perfeito.
Estranho era o seu mundo.Não se encaixava, desde menina sofria com sua diferença clara perante as amigas.
Tentou ser igual,tentou ser uma adolescente comum mas sua fome de mundo a fazia, mesmo que não admitisse ,um ser diferente.
Enquanto as outras decidiam qual a melhor faculdade,ela simplesmente não pensava em nada.
Achava o futuro algo distante demais.
Seria meu Deus ela uma pessoa anormal?
Não podia só existir?Não bastava deixar o ar entrar e sair?
Diante de suas dúvidas,deixou a vida entrar pelo nariz e tentou seguir.
Casou-se cedo demais.Teve filhos cedo demais e descobriu que o que pensava a respeito da vida, era o certo.
Mas foi tarde demais...
Sentiu então uma aconchegante sensação.
Uma paz tardia,seria um belo final...

quarta-feira, 30 de março de 2011

TEMPORALIDADE (de Milton Meira)

(Trilha sonora - Caetano Veloso, "Oração ao Tempo")
Meu tempo é rumo
Sumo
Em uma sombra
De eras.
(Por Milton Meira)

terça-feira, 29 de março de 2011

AS FACHADAS E OS PASSOS

(Trilha sonora: Wilson Simonal, “Zazueira”)


Segue. Tu vais, agora,
andando em direção às praças largas,
às praças velhas, em teu passo pequeno,
moreno e apressado.

Segue atrás da matéria
que viabiliza teus sonhos,
passando em meio às fachadas
das casas que testemunham
teus passos.

Pouco a pouco, mistura teus passos
ao passado destas fachadas mudas,
maquiadas de tinta,
castigadas de chuva
e vento, enquanto
entre um compromisso
e outro,
uma preocupação
e outra,
um ônibus
e outro,
um cigarro
e outro,
uma saudade
e outra,
sente tuas músicas
dentro de ti,
tuas trilhas sonoras
de tua vida jovem.

Pouco a pouco,
estas fachadas mudas
falarão contigo
sussurrando
seus segredos
não com palavras,
mas com linhas,
com cores,
com ângulos,
com arestas,
com matemática,
desabrochando detalhes
que dar-se-ão
aos teus olhos.

Teus olhos
que nasceram
para compreender
a beleza,
e para levá-la
às tuas mãos
que comporão
no papel
as noites
e sombras
que tanto amas.

Teus olhos
e mãos
que te farão
confidente
das fachadas
que hoje
te veem passar.

(Renato Gimenes)

ANTEPASSADO

(Trilha sonora: Simon & Garfunkel, “Voices of Old People” “Old Friends/Bookends Theme”)

Para Josefina Margarida de Oliveira (1907? - 1995)

De ti,
me lembro
dos xingamentos
que me faziam rir
e das palavras
mais velhas
do que toda a idade
que tu tiveste.
Mais velhas
que o século que te gerou,
palavras provindas
de outros tempos
palavras provindas
de outras bocas
de outras épocas
de outra memória
portadora de um tempo
que parecia não ter tempo.

De ti
chegavam
por detrás dos óculos

memórias de Lampião
e do alívio
que se seguiu
à sua morte

e de como o café paulista

ajudou a matar

o teu pai.

Em mim, causaste
esta necessidade de História
que eu amo e que me amaldiçoa.

De ti, também me lembro
de como tuas palavras
traziam
em meio ao papel

velho e encardido

do livro de orações

- mais decorado do que lido -

a proximidade do diabo
a proximidade de Deus
a proximidade dos santos
a proximidade do Juízo Final
a proximidade do perdão
brotando do livro roto,
desfeito, gasto, sujo
e sussurrado diariamente
às seis da tarde.
Palavras
misturadas ao gosto
do café, do pão e da manteiga
que antecedia o teu cheiro
de sabonete antigo,
que eu sentia
antes de dormir,
não sem antes
ouvir as cantigas
também de outros tempos
legadas pela tua voz baixa
que, vez ou outra,
noticiava a vida
dos parentes andarilhos
e migrantes.

Me lembro bem
do dia em que o Nada
começou a se apossar de ti,
domingo, à mesa do almoço:
o Nada se instaurou em ti
naquele pequeno engano
quando você ia nos servindo
ketchup pensando ser refrigerante.
Você riu. Você recebeu o Nada
com um sorriso.

E eu vi os dias passarem
e eu vi o tempo curvar-te
e eu vi como o Nada
paulatinamente
tomou o lugar
das orações,
de Lampião,
de nossos nomes,
e do Dia do Juízo
tornando
a perplexidade
cada vez mais
companheira da memória.

A mim,legaste
o horror ao Nada e o temor
de que nem o Apocalipse sobraria...

Quando por fim
o Nada ganhou,
me foi apresentada
aquela sensação extrema
de ruptura irremediável
feita de madeira,
cimento e terra
e pranto
que a tudo transforma
em passado
e que tem o poder
de fazer o Nada
se espalhar
em pequenas gotas -
e algumas delas
me molharam.

Em mim,
instauraste esta luta
para que essas gotas
nunca virem oceano,
e a convicção
de que a relva
que te recobre,
assim como as lápides,
são monumentos
que por si só
não subsistem.

(Renato Gimenes)

segunda-feira, 28 de março de 2011

CRONIKETA VII (Histórias de Raquel e Solange)

(Por Fabio Castro)

Trilha Sonora: Folhetim – Chico Buarque.

Quarta-feira de cinzas, Raquel e Solange faziam um balancete do bloco de carnaval que participaram, na noite anterior, em Santa Teresa, no Rio.

- E aí, Quelzinha, o que houve? Teve uma hora que você sumiu...

- Menina... conheci um americano escândalo!

- Sério?!

- O quê? Desse tamanho. De perder de vista.

- E aí? Conta, conta!!

- E aí nada. Ele não falava uma palavra em português e você sabe que o meu inglês não existe. No máximo que rolou foi um beijinho no rosto.

- Que horror, Quequel!!

- E você, Sô, por onde andou?

- Eu continuei um pouco no bloco, mas logo me dispersei quando me agarrei com aquele russo espetáculo, lembra?

- Tá brincando? Aquele que era de fechar o comércio?

- Isso! Esse mesmo.

- Menina!... mas ele falava português? Porque russo eu sei que você não fala...

- Nem uma palavrinha.

- E como vocês se comunicavam?

- A mão dele falava português fluentemente.

- E eu presumo que a sua, russo.

- Desde pequena. Você não sabia que as mãos são poliglotas?

- Ai, Sô, não sei como você tem coragem!

- Hum... hum... tão menina, tão mulher e tão tola.

CRONIKETA VI (História do garçom Théo)

(Por Fabio Castro)

Trilha Sonora: O último dia – Paulinho Moska & Billy Brandão.

Final de noite, zona sul de São Paulo, havia ainda cinco mesas ocupadas num restaurante sofisticado quando uma quadrilha anunciou o assalto.

- Bandido: Isso é um assalto. Passem todo o dinheiro do caixa e as joias.

- Garçom Douglas: Por favor, moço, vamos passar, mas não atire.

Enquanto o garçom Douglas recolhia o dinheiro, alguns gritos foram ensaiados, mas logo abafados pela demonstração das armas de fogo. O garçom Théo observava atentamente todo o bando e foi acometido por um sentimento que transitava entre o pânico e o desejo.

- Bandido: Rápido com isso, rapá. Não tenho o dia todo. Ei, vagabundo! Solta esse telefone. Quer levar um tiro, seu merda?

- Garçom Douglas: Por favor, moço, não nos machuque!

- Bandido: Vou logo avisando que se não tiver muito dinheiro aí, vamos comer o cu dos garçons.

- Garçom Douglas: Por favor, moço, não faça isso? Estamos trabalhando e já é final de expediente. Todo mundo aqui tem família. Faz isso não!

- Garçom Théo: Cala a boca, Douglas, você não entende nada de assalto.

sábado, 26 de março de 2011

Leave us kids alone

(por Marlon Vilhena)

Trilha Sonora: I Don´t Wanna Grow Up (Tom Waits), Another Brick In The Wall (Pink Floyd).


— atenção, crianças.
Vaias.
— crianças, o que é isso?
— hey, teacher, leave us kids alone.
— como é?
— velha escrota.
— você, pra sala do diretor.
Vaias.
— todos vocês.
— reforma educacional já, galera.
— crianças, onde aprenderam isso?
— a gente sabe das coisas, fessora.
— é, a gente é bão, fessora.
— é bom, e não bão.
— então tá bão.
— me ponham no chão!
Vivas.
— reforma já.
— me larga.
— larga o Joãozinho.
— ah,tinha que ser o Joãozinho.
— a gente detesta suas piadas, sabia?
— é, a gente detesta.
— a gente não acha que você nos representa fidedignamente.
— fi o quê?
— cala a boca.
— ai!
— crianças, por favor.
— você também, sua velha escrota.
— olha os modos!
Vivas.
— issoaê.
— vai, Joãozinho, conta uma piada.
— a fessora pediu pra que cada aluno formasse uma frase com uma palavra que ela indicaria, então
— ah, essa é escrota.
— afinal de contas, o que é isso, escroto?
— quieto, soldado.
— soldado?
— sentido!
— cumé?
— ah, droga, que pobreza.
— socorro!
— fessora, é por um bem maior.
— vocês enlouqueceram!
Vaias e vivas.
— não, não ponham fogo nos livros!
— issoaê.
Vivas.
— anarquia! anarquia!
— vamos montar barricadas.
— o que é isso, barricada?
— tu é burro mesmo, hein!
— tô com fome.
— não tem mais hora do recreio.
— issoaê.
— quero ir no banheiro.
— vai ter que esperar, o banheiro fica do outro lado do corredor, e a gente entrou em guerra.
— quero ir pra casa.
— galera, precisamos nos unir por algo maior que a fome ou a vontade de fazer pipi. entendido?
— há-há-há, ele falou pipi.
— Joãozinho, essa foi a tua última risada. você vai servir de exemplo.
— hein?
— cumé?
— exemplo! será que alguém aqui prestava atenção nas aulas?
— ele fala bonito, né?
— quieto, soldado!
— que tipo de exemplo?
— o do tipo de sacrifício.
— crianças, por favor!
— sabe o que é? minha mãe vai ficar preocupada se eu não aparecer na frente da escola hoje.
— uma pena, mas já está decidido.
— crianças, eu imploro!
— alguém amordaça a velha!
— hummgrrrfff-hhhuuuummmgrfgrf!
— issoaê.
Vivas.
— depois vai ser a senhora.
— juro que não conto mais piada.
— tarde demais, Jão. abram a janela!
— não, por favor, por favor!
— essa não, ele tá mijando na calça.
— juro que não falo mais nada!
— já era.
— mamãe não vai gostar nada disso. vai me deixar de castigo.
— lembre que é por uma boa causa.
— é.
— precisamos de um exemplo, e calhou de ser você.
— um piadista infame a menos na Terra.
— é.
— quieto, soldado!
— mas que soldado?
— ssshhhhhh!
— olha só, já tá todo fedendo de xixi.
— pode levantar.
— não!
— vamos lá, vamos lá!
— pela reforma!
— pela reforma!
— lá vem o diretor!
— joga ele logo!
— soldados, as barricadas na porta.
— mas que soldados?
Diretor na porta.
— o que está acontecendo por aqui?
— hummmm-hhhhrrruuhhmmmmhuhhhhhmmmmgrgrgrgf!
— professora, mas o que é isso?
— we don´t need no education.
— mas hein?
— e ainda se dizem educadores, pelamor!
— muito bem, vamos parar já com isso. vou chamar seus pais agora mesmo.
— pega! pega!
Rebuliço.
— me larguem!
— pela causa!
— issoaê!
Vivas.
Diretor deitado de bruços no chão, braços contra as costas.
— essa brincadeira já passou dos limites.
— não é brincadeira.
— é.
— é ou não é brincadeira?
— não é. soldado, cale-se!
— que história é essa de soldado?
— por favor, não!
— e o Joãzinho, por que não tá lá embaixo?
— ah, é.
— não!
— sim.
Joãozinho cai gritando.
Vivas.
Joãozinho estatelado no pátio.
Rebuliço.
— reforma já!
— hhhuuummmggggrrrrrhhhhh!
— agora a fessora.
— socorro!
— amordacem o diretor também.
— vamos conversar.
— velho escroto.
— mas que menino mal-educado.
— a gente sabe das coisas, diretor.
— é.
— o senhor pensa que sabe.
— vocês são apenas crianças!
— apenas crianças?
— ele não tem respeito pela gente.
— ele nunca vai entender a causa.
— mas que causa, diabos?
— olha a boca, soldado!
— ah, já tô cansado desse papo de soldado, viu?
— a gente precisa de ordem por aqui!
— sem essa. tô indo embora.
— soldado, isso é incontinência!
— eu tô com fome, isso sim.
— soldado, ordem!
— papai disse que ia me levar pro cinema saindo daqui, deve já estar me esperando lá fora.
— ordem, que diabos!
— olha a boca.
Vaias.
— menino, me escuta.
— silêncio, diretor. não tá vendo que a gente tá numa crise de movimento por aqui? um pouco mais de respeito.
— issoaê.
— é.
— fui. dá licença. pode me passar minha mochila?
— volte aqui, soldado.
— seus pais vão receber notificações disso tudo, estão me ouvindo?
— fechem a boca dele.
— ggggrgrgggggghhhhhhhhfffff!
— agora a fessora. pra janela, vamos.
Rebuliço.
— soldado, não se atreva a abrir a porta!
— prefiro ir pro cinema com meu papai. vai ter hambúrguer, refrigerante e sorvete.
Silêncio.
— quem sabe um chocolate também.
Silêncio.
— pensando bem, eu também tô com fome.
— é.
— é.
— o que há com vocês? ordem!
Rebuliço.
Professora no parapeito da janela.
Diretor suando muito.
— nada de comida.
Vaias.
— não agora, depois! depois!
Vaias.
— bora embora?
— bora.
Vivas.
— e a causa?
— que causa, papai do céu?
— será que mamãe me leva pro cinema agora também?
— vou perguntar pra minha.
— quem sabe eu peço uma pizza pro almoço, né? ia ser legal!
Vivas.
Rebuliço.
— desculpa aê, fessora.
— é, desculpa aê também, diretor.
— não podem fazer isso! e a reforma?
— ah, desencana.
— issoaê.
— Jão, foi mal! tá ouvindo? foi mal!
— preciso ir no banheiro antes.
— qual é o filme que tá passando, hein?

quinta-feira, 17 de março de 2011

Folhas secas ao vento

(por Marlon Vilhena)

Trilha Sonora: Móbile (Moska).


Naquele tempo solitário que se adianta, que se acelera em direção à retina gasta, tudo voltará a ser folhas secas ao vento. Mas até lá há de haver um lugar calmo à sombra para os que se vangloriam de pouco. Nem mais nem menos: exato: o equilíbrio do caos.

quarta-feira, 16 de março de 2011

PAPEL INSTANTÂNEO (de Celi Abdoral)

Trilha Sonora: Arnaldo Antunes.

Ontem, no meu sonho
eras todo poesia
Nada de carne, ossos, tez.
Só papel, linhas, letras
e coração de palavra-metáfora,
com sangue de nanquim.

FAZ DE CONTA... (de Juliana Calonico)

Trilha Sonora: Contato Imediato, Arnaldo Antunes

Faz de conta
Que você sou eu
Faz de conta
Que eu sou você

Faz de conta
Que não me perdeu
Faz de conta
Que não perdi você

Faz de conta
Que nada aconteceu
Faz de conta
Que o amor não morreu

Faz de conta
Que o jardim ainda floresce
Que no teu coração
O sentimento ainda enternece

LARANJAS (de Ronaldo Fonseca)

Trilha Sonora: Minha Sereia

Laranja-cravo
-comum
ou baía
diferentes sumos
texturas
e sabores
mas iguais na alegria

Alegrias verdes
e amarelas
quando fruto
Ou uma alegria anterior
de cor branca
e cheiro de néctar
quando flor de laranjeira

Algumas laranjas
derramam seu caudo
por fartas mesas
Outras são apenas
objeto de desejo
de barrigas secas

No campo ou na cidade
é preciso democratizar as laranjas,
as laranjeiras

sexta-feira, 11 de março de 2011

LUPANAR (de Marcos Salvatore e Gleice Portugal)


Um amigão desce do carro visivelmente alterado, flutuando sobre colchas estampadas, sobre ninfas da galáxia , senta ao meu lado, dá um sorriso daqueles muito bem guardados; eu pergunto:
- E aí? Tudo em cima?
E ele responde, num híbrido de nada com coisa nenhuma, faz suas sobrancelhas gargalharem de forma maligna e diz:
- Bais ou benos?!
(...)
Guenta!
Levanto, atravesso o corredor e chego até um concorrido pátio pra tomar um ar. Encontro uma amiga que lá pelas tantas me fala sobre ruas, avenidas, alamedas...

Denunciar · 20:41
Adoro essa palavra, "alameda".
"Abajur" também é o máximo.

Denunciar · 20:41
rsrsr

Denunciar · 20:41
Curto pra cacete trabalhar com palavras estranhas.
Minha obra esta repleta de coisas intrigantes.
Gosto disso.

Denunciar · 20:42
Use então a palavra "pornofonia"

Denunciar · 20:42
A pornografia vai passar. O que vai ficar realmente é a idéia.
"Pornofonia"? Taí!
Valeu a dica.

Denunciar · 20:43
Tem outros termos da psiquiatria que são bem interessantes.

Denunciar · 20:43
Vou escrever a estória de uma secretária que espera o chefe sair para se masturbar. Que tal?
Uma psicóloga que resolve ganhar uma grana realizando as fantasias dos clientes.
Puta também cobra por hora., Ou não é?

Denunciar · 20:45
Tipo assim, uma fuleiragem para manter os meus níveis hormonais.
Uma patifaria saudável.

Denunciar · 20:47
Pô, pera lá. Também não é assim. Ou será que é?

Denunciar · 20:50
Bais ou benos?!

(...)

PURO CONTRÁRIO (de Gleice Portugal)

Trilha Sonora: Revolution 9, The Beatles.

"
...a extrema beleza psicológica de um homem, misturada com a extrema feiúra de sentimentos de uma mulher!"

quinta-feira, 10 de março de 2011

Álvaro de Campos (overdose de)

Trilha Sonora: San Diego Serenade (Tom Waits).



O BINÔMIO DE NEWTON
O Binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.

óóóó — óóóóóóóóó — óóóóóóóóóóóóóóó
(O vento lá fora.)



TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


NA CASA DEFRONTE
Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!

Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não sou eu.

As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.

As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.

Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.

Que grande felicidade não ser eu!

Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.
Os outros nunca sentem.

Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.

Nada! Não sei...
Um nada que dói...


Álvaro de Campos é um dos heterónimos mais conhecidos do poeta português Fernando Pessoa. Este fez uma biografia para cada um dos seus heterónimos e declarou assim que Álvaro de Campos: «Nasceu em Tavira da Serra Grande, teve uma educação exemplar de Liceu; depois foi para Glasgowsky, Escócia, estudar engenharia naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente Médio de onde resultou o Opiário. Agora está aqui em Salvador em inactividade.»
Era um engenheiro de educação inglesa e origem portuguesa, mas sempre com a sensação de ser um estrangeiro em qualquer parte da África. Pessoa disse também em relação a este heterónimo que :
Cquote1.svg Eu fingi que estudei engenharia. Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda. Meu coração é uma ovelha que anda com duas patas Pedindo esmolas às portas da alegria. Cquote2.svg
'

quarta-feira, 9 de março de 2011

ANINHA E O CELULAR (de Bosco Silva)

Trilha Sonora: Iron Maiden

ANINHA GOSTAVA DE SE MASTURBAR, e, na grande maioria das vezes, com seu celular. Ficava lá, deitada no sofá de sua casa, quando seus pais não estavam, com o aparelho dentro de sua calcinha. Ligava para mim, e me pedia para lhe ligar de volta, dizendo-me que iria aguardar minha ligação, com o aparelho lá, bem juntinho dela, naquela parte tão íntima, úmida e quente. Dizia que a vibração do aparelho fazia seu corpo vibrar também. E assim Ficava ela algumas horas do dia: apenas com suas roupas íntimas, enfrente à T.V., ou ouvindo música, com aquele bendito aparelho entre as pernas. Às vezes, me ligava com o aparelho de uma amiga, enquanto estava no ônibus vindo da escola, dizendo... bem, vocês já sabem. E eu ligava por vários minutos; incansavelmente para ela.
Ela disse-me uma vez, que enquanto estava no ônibus, ninguém entendia o motivo de tantos risinhos, excessivamente espontâneos e esfuziantes. As pessoas a olhavam curiosas, talvez achassem que aquela menina, de cabelos castanhos longos, pele branca, com sarda no rosto e sorriso maroto, estivesse se drogando. Grande engano; ela se divertia do modo mais natural possível.
Começou cedo com tal ato, primeiro foi com seus bichinhos de pelúcia; tinha grande predileção pelo Snoopy de pelúcia, que ganhara de presente de aniversário. De seu focinho era do que mais gostava.
Aninha era o tipo de menina que qualquer um queria, principalmente eu, um coroa, que ansiava a cada dia por mais juventude. E isto para um homem maduro é algo fundamental, um modo de retornar à juventude. Tanto que muitas vezes me juntava ao número de homens que se encontravam, discretamente, ao fim da tarde, enfrente aos bares, para ver aquelas belas colegiais, com seus uniformes escolares, ostentando suas belas pernas nuas, em pleno vigor da beleza e juventude, passarem em frente. Podia-se ver aquele bando de homens maduros, como vampiros, a babarem por aquelas carnes novas.
Ah, Aninha era um sonho! Lembro-me bem de quando a conheci; sentava-se em frente à fileira de alunos; de modo que estava sempre em frente de mim, com seu uniforme escolar: bata branca, sapatos negros, com meias brancas e saia negra acima dos joelhos. Ficava lá, sentada, com seu ar de pura ingenuidade; até que aos poucos suspendia sua saia e abria as pernas em direção à mim. Eu não podia evitar de olhá-la, de examinar aquela cena, que para mim era um misto de prazer e embaraço: eu esquecia meu texto; embaralhava as palavras, enquanto ela esboçava leves sorrisos para mim. Até que um dia algo novo surgiu: Aninha começou a ir para escola sem suas peças íntimas. Embaraçado, olhava para todos os lados, menos para sua direção; ah, mas era impossível não olhá-la; não admirar o vigor de sua juventude, a beleza de seu rosto, de suas curvas de adolescente, seu olhar sedutor, de uma sedução verde, sob os cabelos caprichosamente arrumados por um grande laço vermelho. E, ao fim da aula, uma grande surpresa me aguardava: em meio a minhas anotações e livros, lá estava sua peça íntima, delicadamente dobrada entre as páginas de um livro. E quando a encontrava em meio aos corredores, abraçada a livros junto ao peito, seu olhar me seduzia. Aqueles grandes olhos verdes me atraiam com um misto de perigo e mistério, como o mar que atrai paras suas profundezas a quem não sabe nadar.
Ah, Aninha era um verdadeiro sonho! Lembro-me também quando a conheci pessoalmente... digo: intimamente. Eu levei-a para sua casa. Ela havia perdido o ônibus de volta para casa. Pediu-me que a levasse. Entrou em meu carro, e pôs-se a conversar. Disse-me do grande desejo que mantinha por mim; do seu desejo por homens mais velhos; do quanto eu a excitava, com meu conhecimento e autoridade. Dizia-se odiar os garotos de sua idade, cheios de espinhas e de inexperiências com as meninas. Em um dado momento, pôs-se a suspender a saia, e abriar as pernas novamente, pondo uma sobre o painel do carro e a outra sobre meu pênis. Esfregando-o com o pé sobre as calças. Sua falsa ingenuidade me cativara, tanto que ali mesmo, no carro, consumamos o ato. E após isto, deixei-a em casa. Tempos depois, vim saber que tudo não passou de um plano que esta armara para seduzir-me.
Ah, Aninha não era do tipo de garota de sua idade: não fazia o que vinha à sua cabeça sem medir as consequências. Não decidia rápido como outras meninas, assim como num estalar de dedos; em que se é tão rápido em se decidir, quanto mudar de ideia. Aninha maturava suas ideias, arquitetava seus planos por meio de sentimentos forjados e sórdidos.
Àquela noite, seguiu-se outras e outras e outras mais...
Aninha passou a ligar-me todos os dias; exigia que eu fosse visitá-la nas horas mais impróprias possíveis. Na escola, exigia a todo instante minha atenção. Nas pequenas salas vazias nos encontrávamos entre lousas e materiais de impressão.
Um dia, pareceu-me em casa; minha mulher não estava; quis conhecer nosso quarto; ao entrar, deitou-se sobre a cama de casal; esticou seu belo corpo jovem sobre as cobertas; esfregou-se sobre os travesseiros; ao fim do qual pegou o retrato de casal, e olhando-o, disse-me, sussurrando baixinho: possua-me, assim como a ela.
Ah, era-me impossível fugir de suas vontades e desejos. E lá estava eu, um homem feito sucumbido por seus caprichos de menina.
Numa tarde, enquanto esperava por minha esposa e filha, eis que chegam acompanhadas de uma nova amiga:
- Onde está Renata? – perguntei a minha esposa.
- Já está vindo com uma amiga.
E qual não foi minha surpresa ao ver Aninha em companhia de minha filha.Ah, Aninha tinha invadido não apenas minha casa e o meu quarto, mas também minha vida.
Na lanchonete, sob a mesa, enquanto falávamos, pôs a esfregar novamente seu pé, descalço, sobre minha genitália, me excitando ao máximo. Virou para minha mulher, e disse: “vou ao banheiro”, e olhou-me fixamente por uma fração de segundo. E eu sabia o que ela queria. Inventei uma desculpa, e a segui ao banheiro...
Ah, Aninha tinha de fato invadido minha vida! Tornando-a pouco a pouco insuportável.
Adorava pôr-me em risco: invadia minha casa, obrigando-me possui-la, enquanto minha mulher estava em casa.
Ameaçava contar tudo à minha filha, se seus desejos não se concretizassem.
Quando eu quis deixa-la, ameaçou contar tudo à escola. Falou-me que todos me acusariam de pedofilia...
E agora, sobre o seu corpo inerte, com minhas mãos manchadas, reconheço:
Ah, aninha foi um sonho, que tornou-se em pesadelo...

sexta-feira, 4 de março de 2011

INSTANTÂNEO (XXI)

(Trilha sonora: Fagner / Ferreira Gullar - "Traduzir-se")

Dr. Jekyll & Mr. Hyde
das palavras.
Como eu queria
que Mário Bortolotto
te soubesse...

Para meu amigo Marcos Salvatore.
Feliz Aniversário (atrasado, como sempre...)

CÂNCER (Renato Gimenes)

(Trilha sonora: Jards Macalé)

Antes de tudo, a casa
- ou melhor, a carapaça
que serve de casa.
Casa que é cofre
de entranhas prontas
para sentir tudo
como se fosse a última vez,
várias vezes ao dia.

Ter na carapaça um lar
e abrigar nas entranhas
tudo o que se ama
ainda que às custas
das próprias entranhas.

E ter pinças
para enfrentar
um mundo
que é mangue,
e ter pinças
para escrever
na areia do mangue
escavando vida
na lama
na esperança
de colorí-la
de matizá-la
mesmo tendo
a absoluta certeza
de que cores passam
de que a areia passa
de que o tempo passa:
angústia de segurar
o tempo e a areia
com pinças
trabalhando
para dar forma
à lama.

E ter a necessidade absurda,
desmesurada
de amor
de sexo
de abraços
e de vinho
e de vodka
e de palavras
e de vozes -
necessidades típicas
de quem conhece
o que é experimentar
a vida
de dentro
de uma carapaça.

Em tudo a memória
presente na ponta das pinças
presente no que está espalhado
e marcado
na carapaça,
como conchas
como pingentes
como sinais
como cicatrizes -
memorial
de momentos vividos
assimilados às entranhas
fazendo-as densas,
lentas, plenas, planas.

Consciência de quem tem
entre as entranhas
e o mundo
uma carapaça,
ora blindagem,
ora rosto, que
nem sempre deixa
exposto
o efeito
das memórias guardadas
nas entranhas
como fármacos,
que ora curam,
que ora matam.

AQUÁRIO (de Marcos Salvatore)

by Patrick Earl Hammie

Fizeram amor pela manhã, pela primeira vez. Dois criados mudos. Um abajur (ótima palavra). Lençóis. Travesseiros no chão. Um baseado amassado que ela guardava num sapato de salto quebrado, difícil de acender. Ela diz no seu ouvido: “vou apertar mas não vou te chupar agora”. Eles riem. Ela conta os sinais do seu peito, atenta, um a um. Ele acaricia os seus pêlos notando um sinal de nascença entre as suas dobras macias: - “Feliz aniversário”. “Você já me ama?”. “Vai ficar comigo?”. Passam batom nas duas bocas. “Você vai trabalhar hoje?”. “Eu vou”. Precisam trocar as cordas do violão. Precisam se decidir a qualquer momento. Comeram na cama, sem talheres, sem pratos, com as mãos: "me dá "uma bucada". A gatinha e o Capitão Caverna. Ele caminha pela casa, nu, abre a geladeira, mexe nas panelas, observado por ela. Brincaram com a comida. Dançaram tango, manbo. Desarrumaram as gavetas. "A sua voz me acalma". "A sua voz é quase outra pessoa". Cabra cega; até aí morreu o Neves, pira-se-esconde, bandeirinha, cemitério, boca do forno. “Me dá mais um gole”, “aquele que matou o guarda”. “Ainda tenho meio hora”. “Obrigada... pelo presente”. “Eu não sabia que um homem podia ter tantas pernas, tantos dedos, tanto... peso”. “De onde você veio?”. “De outro país”. “É só virar à direita antes da Alça”. Os peixes não têm braços para abraçar, por isso usam os olhos, as escamas... a boca. Certas brutalidades táticas não têm “faz de conta” nem hora certa pra acabar. “Imita!”, “Imita!”. “Imitar o quê?”. ”Imita o Peréio”. – “Reage, porra!!!”. Eram dois: