De quem é a culpa?

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Becos (Wild Side)

Vi-te exposta
em letra, em ruído,
em sussurro
de voz grave,
voz áspera
como teu couro negro
ampla
como teu sexo fluido.


Os teus becos,
eu também os conheço:
os corpos sem fronteiras,
os beijos
concessões
de desejos aflitivos
transpirando
e ejaculando
ternuras
em braços
que são armas
que são flores
que são falas
que são presas
que escorregam
por causa do teu suor...

Os teus becos
são também meus becos!


E suas palavras
são também saliva
que marca o copo
do meu whisky
que arde
minha caligrafia
derretendo
e moldando
a cera
da qual sou feito.

Meus becos
são preenchidos
com tua palidez.


Meus becos
eu os desdobro
com as letras
que me brotam
que me adentram
que me seduzem
e que me lembram
os teus desenhos
rejuvenescendo
continuamente
tua pele!


Meus becos
São também
tuas dobras
que se infiltram
em meus túneis
de silêncio
de água
de sangue
de carne
e me aquecem
me deixando pronto
para a morte
para a vida
para a palavra.


Meus becos
são também
as dobras
de tuas palavras...

terça-feira, 1 de outubro de 2013

IA E VINHA DO MEU LIXO (de Marcos Salvatore)

by Edouard Boubat

ou
QUEM NÃO GOSTA DE FINAIS FELIZES?

Trilha sonora: Today – Jeffersoon Airplane

- O quê?
- Eu falo para ouvir não para gravar.
Fingi não ouvir a insinuação. Devia estar sonhando. Estava bêbado de sono, em uma van com cheiro de peido velho de mofo (deu), às três e meia da manhã, com a fome que somente as poucas moedas do bolso poderiam piorar; estava ferrado. “Porra de música escrota”.
Um pouco do sonho me ensurdece com você dizendo: - “Tu nunca me abraçaste na rua, como nos filmes”.
- “Nos filmes os personagens se contentam com abraços por causa da bilheteria, Princesa”.
Mais uma vez consegui me convencer que nada havia em encher a lata, de segunda para terça. E acreditei que dormir bastaria. Meu alcoolismo faria aniversário de dez anos em breve, muito em breve. E as ereções involuntárias de sua autoestima não serviam mais como freio para o meu frenesi pecaminoso.
- “Tu não prestas pra nada”. E eu não reagi, como sempre. Levantei e saí para beber. Fiz uma escolha. Precisava que ela me odiasse.
Passam das duas nesse setembro. E os meses realmente passam. Aceitamos isso. De Belém até aqui só três ou quatro acidentes fatais. E eu juro que preciso de um café. A tristeza tem sede e urgência.
Uma tia, ao lado, diz:
- Quase outro país, nessa porra!
- Fica fria, Tia, tá tudo em cima, aí, não seja extrema.
No vidro embaçado pelo sereno da madrugada formo o nome de alguém: Lil – quem é Lil? Gostoso de escrever depois desse pé d’água.
A Tia: - “Nem te conheço chuva. Fuleragem, caralho. Peiiii!! Peiiiii!”. E batia na lataria da van com uma delícia que me deu inveja.
Ela põe a mão pra fora e a deixa molhar: - “São tão indefesas, quase podem me machucar”.
- Quem, Tia?
- Quem o quê?
- O que a senhora disse, aí.
- Eu disse o quê?
Deixei pra lá. A moça ao lado acorda. Olha pra mim. Quase digo: - “Estou sozinho se você e os seus peitinhos de carne quiserem”.
Alguém fala pra Tia: - “Foi uma medida provisória, Tia”.
- “Provisório é o meu xiri”.

Quando reajo aos ladrões entrando armados, não resisto à reflexão: - “O Brasil é um país provisório Tia, nós, não”.
Antes de levar meu tiro sinto a falta dela um pouco mais... depois cada vez menos... e menos... menos...

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

MÁ, MAS MINHA

Eu vi seu rosto pálido e pacífico -
e era morte.
A mesma que contava os segundos da vida
- que era espera.
E aquela espera que se prolongava
era sina,
Com a qual eu não concordava
- má, mas minha.

Enquanto a linha que eu desrespeitava
era fronteira,
do desrespeito algo em mim transbordava -
e era vida!
A mesma contada em segundos pela morte
- mas era minha!
Riso preciso contra a morte cronométrica
que era minha.

E se o que me tonteava era álcool
e era paz,
Não era susto o que me deixava lívido:
era o tempo
que me descoloria aos poucos
e me descobria
e me deixava finito em meu desejo -
era perda.

Como não era contentamento que não me cabia -
Era vida!
Que o próprio tempo não comportava -
Era minha!
E não era memória o que me ligava ao passado -
era delírio,
nem era choro ou perda o que me comovia -
era vida.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

AS HORAS TODAS DA CARNE (de Marlon Vilhena)


“— Você vai me matar?
— Se você quiser. Não sujo as mãos por nada.”

Marlon Vilhena não se prende a só um tipo de construção. Ele traça os contrastantes perfis de seus personagens, acentuando em seus diálogos uma noção de uns tantos valores na procura pela essência humana.

Nesta coletânea, cada narrativa tem identidade própria e alicia o leitor para um mergulho sobre a existência, o estímulo, o abandono, a perda de Deus, sexo, amor, vida, morte, entre outros elementos.

O estilo irreverente e anticonvencional nos chama a atenção pela urbanidade trágica, pela aparente (e perturbadora) insensibilidade e por um áspero humor de influências agridoces quase imperceptíveis (“É de pequenas vicissitudes que a gente vive”), o que torna ao mesmo tempo sua prosa derivada e original.

Uma ironia quase urgente, de estética própria e inusitada, encontra-se com o sarcasmo para significar objetos e ambientes em panos de fundo que, em geral, podem passar despercebidos. Como em Dissertação sobre a inércia, com seus cortes cinematográficos em um doloroso fluxo de consciência. Ou em Nome para um desatino: “é essa necessidade infame de cuspir em cima de uma maravilha e perceber que isso é igualmente bom.”

Seu texto às vezes seco, quase perverso, às vezes de uma sutileza quase intimista (“Dona Joana explicou o mundo inteiro ao preparar o café da manhã e esquentar o pão com manteiga espetado no garfo”), dá espaço a uma desconcertante liberdade e flexibilidade moral a quem o ler, para que defina (ou subverta) seus próprios cenários com riqueza de detalhes, “enquanto aquele velho trem descarrila na passagem do fim do mundo”.

Marcos Salvatore

sexta-feira, 10 de maio de 2013

CIGANOS EM VIAGEM (de Charles Baudelaire)



A tribo que prevê a sina dos viventes
Levantou arraiais hoje de madrugada;
Nos carros, as mulher', c'o a torva filharada
Às costas ou sugando os mamilos pendentes;

Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
Erguendo para o céu uns olhos indolentes
Onde já fulgurou muita ilusão amada.

Na buraca onde está encurralado, o grilo,
Quando os sente passar, redobra o meigo trilo;
Cibela, com amor, traja um verde mais puro,

Faz da rocha um caudal, e um vergel do deserto,
Para assim receber esses p'ra quem 'stá aberto
O império familiar das trevas do futuro! 

FEIRA DO ÁLCOOL E MAIS ALGUMAS DOSES (de Haroldo Brandão)

by Cara Thayer e Louie Van Patten


Feira do álcool e mais algumas doses
     às 3 da madrugada 
  
      O sopro da morte
      e alguns tiros
      na falta do ânimo
      mimo o copo de wisk
      vapor
      barato
    
      sai
     dos lábios.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

RECEITA DE VIVER (de José Carlos Oliveira)




Para viver bem é preciso chegar aos 30 anos com a satisfação de se ter permitido todas as loucuras imagináveis na juventude. E só freqüentar os amigos que suportam os nossos defeitos.

Recomenda-se também uma boa gargalhada, à sós, no momento de se erguer da cama: "Quanta bobagem tenho feito neste mundo! Quá, quá, quá!" A serenidade imperturbável conduz ao fanatismo, e este dá câncer.

Nenhuma preocupação burguesa ou pequeno-burguesa, como por exemplo o medo de perder o emprego ou os bens; nenhuma ambição material, fora as indispensáveis (casa, comida, roupa lavada), ou então que seja gratuita: juntar dinheiro para algum dia comprar um iate ou passar dois anos zanzando pela Europa.

Nunca ferir uma mulher a ponto de fazer-se odiado por ela. O homem inteligente é o que sabe transformar antigos amores em sólidas amizades.

Estar sempre em condições morais de perder tudo e começar tudo outra vez. Interessar-se por tudo, principalmente por aquilo que não nos diz respeito. Amar apenas uma mulher de cada vez. Dizer sempre a verdade, seja qual for e doa a quem doer. Conhecer um por um os nossos defeitos, curar-se dos que não são naturais e cultivar aqueles que mais nos agradam.

Evitar ao máximo o paletó e a gravata, os chatos que falam no ouvido, as mulheres que resolvem tudo pelo telefone, os bêbados que mudam de personalidade quando lúcidos, os vizinhos muito prestativos e todo papo do qual participem mais de três pessoas.

Longa caminhada solitária pelo menos uma vez por semana. Não discutir preços -- é melhor ir embora sem comprar. Não guardar ódios a ninguém. Dormir oito horas e, acordando, continuar na cama enquanto puder. Recusar-se terminantemente a beber uísque que não seja escocês legítimo, preferindo a cachaça como alternativa. (Isto vale apenas para quem gosta de beber e bebe freqüentemente, como é o caso do autor dessa receita. Neste caso, a aceitação de qualquer bebida é moralmente inquietante, pois atravessa a fronteira que separa o prazer do vício.)

Ser condescendente com o comportamento sexual dos outros. Tentar compreender cada pessoa, evitando julgá-la. Saber exatamente o momento em que os amigos gostariam de estar sós. Ter caráter bastante para reconhecer as qualidades positivas de um eventual inimigo. Treinar, como quem faz ginástica, para ser sinceramente modesto. Saber contar com irreverência histórias em que faz papel de bobo, e que tenham acontecido realmente.

Viver tão intensamente que possa dizer à morte, quando vier: "Já veio tarde."

terça-feira, 7 de maio de 2013

O problema é o ISMO (de Haroldo Brandão)

by Grzegorz Kmin



                             Nazismo
                      Fascismo
                      Nazifascismo
                      Liberalismo
                      Capitalismo
                      Iluminismo
                      Conservadorismo
                      Vanguardismo
                      Anarquismo
                     

                      Marxismo
                      Socialismo
                      Centralismo
                      Mercantilismo
                      Conformismo
                      Consumismo
                      Budismo
                      Judaismo
                      Orientalismo
                      Cristianismo
                      Evangelismo
                      Machismo
                      Maneirismo
                      ...
                      ...
                    
                     O avesso do avesso!


FRESTAS INDISCRETAS Nº 6 (de Haroldo Brandão)

by Spencer Tunick


                            NAU DOS INSENSATOS:

                            A loucura me fascina

                            É o animal que assombra meus pensamentos
                        
                            e pesadelos.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

JANELAS DISCRETAS Nº 20 (de Marcos Salvatore)


Acheropita muda de religião como quem troca uma calcinha suada (estampa de frutas vermelhas). Católica, evangélica. Gostei da fase budista pelos cânticos e da Krishna pelos altos rangos suculentos. Me chama sempre de Sumano e acaba de ligar dizendo "estar" hindu com ênfase em vestibular para faquir.

terça-feira, 30 de abril de 2013

2014, A COPA QUE O BRASIL JÁ PERDEU (de Haroldo Brandão)

by Arthur Fellig Weegee

O Brasil será o grande derrotado na Copa do Mundo de 2014. Esqueçam esquemas táticos, análises técnicas, convocações, gols ou arbitragem. A derrota não virá numa zebra nas oitavas de final contra a Bélgica, num duelo épico de quartas contra a Itália, numa semifinal angustiante contra a Espanha ou num Maracanazzo reloaded contra a Argentina.


A derrota já veio. O Brasil perdeu a Copa de 2014. 



Marin, Ronaldo e Valcke: trio está na cabeça da 'operação Copa do Mundo'



O Brasil perdeu, leiam bem. O que vai acontecer com a seleção brasileira é outra história. Uma história que muda pouco o que realmente importa. O Brasil perdeu a Copa de 2014. 



Um evento como a Copa é a chance de um país mudar, se redescobrir, sanar problemas e construir soluções, mesmo que seja sob a fajutíssima desculpa de "o que o mundo vai pensar da gente se não estiver tudo dando certo?". Que seja, dane-se a pequenez da desculpa, desde que sejam construídas estradas, linhas de metrô, corredores de ônibus, elevadores, hotéis, e, vá lá, até um ou outro estádio.



Vipcomm



O resultado do time de Felipão pouco importa: o Brasil já perdeu
A Copa do Mundo é, para os tempos de hoje, o que foram as tais "Exposições Mundiais" no século 19. Era preciso se arrumar para receber visitas em casa. 



Mas o Brasil hoje corre para retocar a maquiagem, empurra a vassouradas a sujeira para debaixo do tapete, tranca os cachorros pulguentos na despensa e manda a criançada dormir mais cedo, porque sabe como é criança quando chega visita, desanda a falar cada coisa...



Faltam pouco menos de dois meses para a Copa das Confederações, e o estádio da final não está pronto. Aquele estádio na Zona Norte do Rio, que foi erguido no lugar do Maracanã ao preço mirabolante de 1 bilhão de reais; e que terá de ser reformado para a Olimpíada. 



(Aqui, um parêntese: todas as reportagens sobre estádios da Copa têm a obrigação de falar quanto custou e quem financiou a obra; isso é utilidade pública, antes de mais nada).



Faltam menos de dois meses para a Copa das Confederações e nenhum aeroporto teve reformas significativas concluídas. Pouco mais de um ano para a Copa do Mundo e os taxistas que falam inglês continuam a ser uma raridade, as placas de trânsito seguem indecifráveis para estrangeiros, os hotéis e vias públicas não vão dar conta do recado, obras de mobilidade urbana de Manaus, Brasília e São Paulo não ficarão prontas - umas foram canceladas, outras postergadas, todas custaram irreversíveis milhões e não é difícil adivinhar quem pagou a conta.



O 'novo Maracanã': para 2016, mais reformas
A um ano e dois meses do começo da Copa, o presidente do Comitê Organizador Local está cercado por denúncias, e não é para menos. José Maria Marin, o homem que gere a operação Copa do Mundo no Brasil, passou seus mandatos de deputado bajulando delegados ligados às torturas da ditadura, superfaturou a sede da CBF, negociou apoio na aprovação de contas da confederação dando cheques a seus eleitores. 



Enquanto isso, o secretário-geral da Fifa, Jerome Valcke, diz que a organização da Copa do Mundo no Brasil seria mais fácil se o país fosse menos democrático e tivesse menos esferas de governo, legal é a Rússia, que tem um poder centralizado e menos palpiteiros. 



A organização da Copa do Mundo seria mais fácil, monsieur Valcke, se ela estivesse nas mãos de gente diferente. 



De gente que não estivesse interessada apenas em sugar dinheiro do país com o benefício de isenção de impostos. A organização da Copa do Mundo seria mais fácil se ela fosse feita para, de fato, deixar o país com algumas pequenas vitórias em áreas que vão muito além do campo de jogo. 



O Brasil de Felipão, de Neymar, de Ronaldinho ou Kaká, o Brasil pentacampeão, seja com volantes classudos ou brucutus, pode ganhar ou perder a Copa de 2014. 



O Brasil de 200 milhões de pessoas, aquele que acordará no dia 14 de julho de 2014 para trabalhar, este sairá da Copa derrotado. Qualquer que seja o resultado da final.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O PESADO CONSEGUIA VOAR (de Haroldo Brandão)



Febrilmente! Bela palavra. Tinha 14 e emprestei ao Roosevelt, que ainda não era o Bala do Stress (e mais recente do Zona Rural), um LP do Proco Harum e ele me emprestou o vinil Led II, havia uma tarefa doméstica que executaria tipo limpeza do quarto, pois bem a fiz ao som de Living loving, Heartbreack, Whole Lotta Love, Ramble on,...enfim o baixo pesado e dançante do John Paul, a batera mais pesada ouvida até então, os solos de Page. Chapado com tanto som, saí dali para conhecer tudo do Led, era 1975, sem dúvida o pesado conseguia voar. É uma das minhas bandas prediletas, caro Elias, sem discussão, foram tempos muito bons em termos de produção rockeira. Quanto ao Gênesis prefiro "Selling England by the pound" de 1972 com Peter Gabriel no comando, pq? A Trick of the tail ainda tem ecos da enorme influência e domínio arístico de Peter, Collins foi retirado da bateria e assumiu os vocais mas para quem conhece a obra do Gênesis sabe o que são os 4 primeiros discos da banda com Gabriel e a dificuldade da banda em seguir criativamente sem mudar o rumo traçado pelo antigo líder, tanto que o som enveredou pelo pop e em carreira solo Phil flertou com a disco music e vendeu milhões de vinis. Depois de A trick.. nada brilhante foi feito.
Meu amigo até os tijolos vermelhos de Londres sabem o impacto que os 4 anos de reinado absoluto de Jimi Hendrix exerceram sobre Jeff Beck, Eric Clapton, Pete Townshend e Jimi Page para ficarmos nestes 4 guitas britânicos, me desculpe mas é exagero seu afirmar que dos 2 Jimis, Page é o melhor, os 2 estão no alto da Pirâmide, são explêndidos, geniais guitarristas mas, Hendrix é o cume, por toda a contribuição que deu a guitarra, a dominando totalmente redirecionando-a, desconstruindo canções de outros compositores como Lennon e Dylan e a reconstruindo ao seu modo. Os fabricantes de guitarra e engenheiros faziam questão de tentar traduzir tecnicamnete o manancial de idéias sonoras que estavam na mente do papa dos guitarristas, na sonoridade, os adereços como pedal wha wha, ninguém tocou como Jimi, ouça o solo na composição de Dylan "All along the watchtower" ou em "Gipsy Eyes! Enfim Hendrix é o Pelé da guitarra, Page é o Maradona.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

JANELAS DISCRETAS Nº 19 (de Marcos Salvatore)



Me equilibro sobre as guias
Procurando não pensar
Ah, um cigarro, agora

Já cruzei toda esta cela
Estou preso, estamos
Por insuficiência de provas de amor (?)

Arrogância e cabecismo não se harmonizam facilmente
É o poste mijando no cachorro

Nem mesmo a vaidade da música climática
Que faz o esfregar dos meus pentelhos
Roçando no seu cu já me convence

A dirigir meus espantos mágicos
Em sua direção

SONETO DE DESPEDIDA (de Vinícius de Moraes)



Uma lua no céu apareceu
Cheia e branca; foi quando, emocionada
A mulher a meu lado estremeceu
E se entregou sem que eu dissesse nada.

Larguei-as pela jovem madrugada
Ambas cheias e brancas e sem véu
Perdida uma, a outra abandonada
Uma nua na terra, outra no céu.

Mas não partira delas; a mais louca
Apaixonou-me o pensamento; dei-o
Feliz - eu de amor pouco e vida pouca

Mas que tinha deixado em meu enleio
Um sorriso de carne em sua boca
Uma gota de leite no seu seio.



O AMOR ACABA - (trechos de Paulo Mendes Campos)

by a. r.


O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio: acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente ao meio do cigarro que ela atira e esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; ...o amor acaba mecanicamente, no  elevador, como se lhe faltasse energia, dentro de casa o amor pode acabar, quando a alma se habitua as províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; no sábado depois de três goles de gim à beira da piscina; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus; no inverno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brazília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York ... às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão; às vezes o amor acaba como se fosse melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o alcool; de manhã, de tarde, de noite; na primavera, no abuso do verão; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.
 
PMC
(16 de maio de 1964)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A IDADE DA FEBRE (de Haroldo Brandão)



PAREI PARA ASSISTIR NOITE DESSAS a primeira hora, os primeiros 60 minutos da obra glauberiana "A idade da Terra", junto com "Deus e o diabo na terra do sol" e "Terra em transe" formam o melhor de Glauber Rocha, um sujeito, um intelectual dos mais polêmicos, pensador febril do terceiro mundo, do Brasil, do canto que nos coube. Longe de ser fácil, digerível, por isto mesmo é o tipo de filme que se ama ou odeia, uma trip, sim a primeira parte em que são apresentados os 4 cristos (Tarcísio Meira, Jece valadão, Antônio Pitanga e Geraldo Del Rey) são quase 40 minutos de sonoplastia através de uma trilha sonora (percussão, samba, folclore, nordeste) com a cara dele Glauber, sons de muitos Brasis, câmera nervosa inquieta e imagens delirantes, o sol se pondo no planalto central do país, o nascimento de um povo, o desejo de contemplar, a ânsia de dar conta de um todo com a limitação dp plano da tela, imagens e música, imagens e música, de uma forma quase alucinante, como um imenso clipe alucinado, Glauber era um angustiado para entender, captar e dar conta de toda a realidade sócio-antropológica que tem como resultado o Homem brasileiro, o sujeito humano que povoaria o novo mundo, a América do Sul com seus caudilhos, com seus milhões de índios mortos, o grande quintal estadunidense. Glauber era místico e profético. Terra em Transe e Deus e o Diabo tem uma certa linearidade, não espere isso da Idade. 

O primeiro diálogo após 40 minutos de imagens delirantes traz um anti-ator, na verdade, o analista político Carlos Castelo Branco tomando wisk com A.Pitanga, e falando da contra-revolução em 1964, interessante ele não usar o têrmo golpe militar, chegando até a tentativa de golpe dentro do golpe liderada pelo General Silvio Frota, "o povo vai mal", impressionante a atualidade de problemas que há 40 anos não mudam, ontem a coluna de Elias Ribeiro Pinto, foi um soco no estômago em alguns manos regionais, uma catarse, um grito dizendo estou de saco cheio, é Elias nossa geração está passando e a bandeira ou a cruz alguém que se habilite a segurar, queria a tranquilidade de uma tarde na beira de um rio, na curva enquanto a chuva cai: tempo Glauber.
Voltarei a comentar mas fica aqui um petisco e um convite a que todos que possam revejam esta obra prima, ainda estou extasiado com a primeira parte, Glauber foi único enquanto cineasta, respeitado por gente como o escritor Alberto Moravia e o cineasta Antonioni, discordou, deu a cara a tapa, ironizou o status quo, xingou e foi xingado e, segundo alguns foi um gênio da raça, é o meu colírio Glauberiano, em meio a tanta banalidade.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

MORTE NO BAR DO MATIAS (de Haroldo Brandão)




As cabeças de segunda-feira são pesadas, pessimistas, arrependidas e ressacadas ainda mais quando teu trabalho não te satisfaz: é melhor amanhecer doente nas terríveis segundas. Ruim é ter que adoecer, gripar, pegar uma virose, uma caganeira na quinta feira, véspera da melhor noite da semana: a noite de sexta-feira. O carro desliza tranquilo no início da noite na Av. Generalissimo, a primeira dose no Zolt e em seguida já pelas 10, o agito cultural no Café Imaginário na alameda do Santa Maria, pub moderno, gente madura (?), multicultural e intelectual, com o charme de apenas um banheiro para homem e mulher, revistas de arte espalhadas, jazz nas caixas, Take five, Chet Baker, Arrigo e Patif Band, eu e Sérgio levamos um King Crimson, a fossa de Betânia, a gerência sem direção do anti-empresário Simões e o fiel (nem sempre) escudeiro Paulo Lezeira, todos os viúvos do 3 X 4 e do Bar da Mamá, o nostálgico Nativo, se redescobrindo 15 anos mais velhos: maravilha. Eram 00:15 h quando saí, subi a alameda na velha máquina e dobrei na Gentil Bittencourt, entrei na 14 de abril e novamente dobrei na Av.Gov. José Malcher parando no bar do Matias ou Bactéria’s Bar ou Putrefato’s Bar, aquele em que ao ir ao imundo banheiro cujo único vaso era um bidê, receava-se que um germe pulasse no pinto do sujeito, mulheres que prezavam sua saúde não sentavam ali, enfim ia-se pelo atendimento personalizado da gerente Jô, que dava porrada em maus pagadores (por causa de R$0,10), ia-se por conta da já citada falta de higiene, também nos copos, pelo tira gosto (pipoca Pantera) e pelos 300 ou mais CD’s de rock de todas as décadas,discotecados pelo ex dj da Boate Maloca (aquela da Praça Kennedy atual African) e no meu caso, pelo wisk mais vagabundo, enfim, caminho de casa, parada obrigatória.
Várias versões houveram ( a dos jornais foi a mais mentirosa) sobre o que vou lhes relatar, eu estava lá, não estavam Teko, nem Charles, nem Marco, nem Tânia, nem vários outros que se arvoraram a inventar uma estória. A história foi a seguinte: cheguei e me dirigi direto ao balcão, já instalado bebendo cerveja, um médico rockeiro, plantonista do PSM e um baixinho falando alto (todo baixinho é assim, voz alta pra compensar o tamanho). Ao encostar aquele bafo horrível no meu ouvido gritou: “tu és metido, pensas que é o tal..” fiz que não ouvi (como?),  olhei o relógio: eram zero e vinte e cinco. E o baixinho continuou: “tô armado e a fim de dar uns tiros..”. Eu não duvidei e senti o clima pesado. Do outro lado do balcão Matias me olha e com a sombracelha transmite sua preocupação, no salão apenas uma mesa ocupada, lá fora um casal na calçada tomando cerveja:  tensão no ar, o baixinho estava com a macaca. Passa para a calçada e chuta as garrafas vazias do casal. Frequentador de confiança no bar Matias pede: “Haroldo olha o caixa que eu vou lá acalmar esse doido”. Eu e o médico ficamos. Surdo aos apelos diplomáticos de Matias continua provocando o casal, rápido quando vimos Matias já estava enroscado no baixinho e o imobilizou, todo mundo em volta, Matias pede para o medico chamar a polícia pelo celular. Então eu disse “Matias o cara está dominado, afrouxa”. A galera: “nada, tá se fazendo de desmaiado”. O médico falou: “nada, continua apertando”. Em menos de 5 minutos chegou a polícia. Matias soltou e o cara nem se mexeu, não havia revolver: gorozado morreu asfixiado. A polícia chegou para prender um desordeiro e levou preso um pai de família. Olhei o relógio, eram zero e cincoenta. É estranho para mim até hoje ter presenciado uma morte nestas condições. A vida é assim: era um estranho, minutos antes seu bafo e sua voz ecoavam no meu ouvido, estava vivo, agora...
Na caixa tocava A day in the life.A morte no bar do Matias: As cabeças de segunda-feira são pesadas, pessimistas, arrependidas e ressacadas ainda mais quando teu trabalho não te satisfaz: é melhor amanhecer doente nas terríveis segundas. Ruim é ter que adoecer, gripar, pegar uma virose, uma caganeira na quinta feira, véspera da melhor noite da semana: a noite de sexta-feira. O carro desliza tranquilo no início da noite na Av. Generalissimo, a primeira dose no Zolt e em seguida já pelas 10, o agito cultural no Café Imaginário na alameda do Santa Maria, pub moderno, gente madura (?), multicultural e intelectual, com o charme de apenas um banheiro para homem e mulher, revistas de arte espalhadas, jazz nas caixas, Take five, Chet Baker, Arrigo e Patif Band, eu e Sérgio levamos um King Crimson, a fossa de Betânia, a gerência sem direção do anti-empresário Simões e o fiel (nem sempre) escudeiro Paulo Lezeira, todos os viúvos do 3 X 4 e do Bar da Mamá, o nostálgico Nativo, se redescobrindo 15 anos mais velhos: maravilha. Eram 00:15 h quando saí, subi a alameda na velha máquina e dobrei na Gentil Bittencourt, entrei na 14 de abril e novamente dobrei na Av.Gov. José Malcher parando no bar do Matias ou Bactéria’s Bar ou Putrefato’s Bar, aquele em que ao ir ao imundo banheiro cujo único vaso era um bidê, receava-se que um germe pulasse no pinto do sujeito, mulheres que prezavam sua saúde não sentavam ali, enfim ia-se pelo atendimento personalizado da gerente Jô, que dava porrada em maus pagadores (por causa de R$0,10), ia-se por conta da já citada falta de higiene, também nos copos, pelo tira gosto (pipoca Pantera) e pelos 300 ou mais CD’s de rock de todas as décadas,discotecados pelo ex dj da Boate Maloca (aquela da Praça Kennedy atual African) e no meu caso, pelo wisk mais vagabundo, enfim, caminho de casa, parada obrigatória.
Várias versões houveram ( a dos jornais foi a mais mentirosa) sobre o que vou lhes relatar, eu estava lá, não estavam Teko, nem Charles, nem Marco, nem Tânia, nem vários outros que se arvoraram a inventar uma estória. A história foi a seguinte: cheguei e me dirigi direto ao balcão, já instalado bebendo cerveja, um médico rockeiro, plantonista do PSM e um baixinho falando alto (todo baixinho é assim, voz alta pra compensar o tamanho). Ao encostar aquele bafo horrível no meu ouvido gritou: “tu és metido, pensas que é o tal..” fiz que não ouvi (como?),  olhei o relógio: eram zero e vinte e cinco. E o baixinho continuou: “tô armado e a fim de dar uns tiros..”. Eu não duvidei e senti o clima pesado. Do outro lado do balcão Matias me olha e com a sombracelha transmite sua preocupação, no salão apenas uma mesa ocupada, lá fora um casal na calçada tomando cerveja:  tensão no ar, o baixinho estava com a macaca. Passa para a calçada e chuta as garrafas vazias do casal. Frequentador de confiança no bar Matias pede: “Haroldo olha o caixa que eu vou lá acalmar esse doido”. Eu e o médico ficamos. Surdo aos apelos diplomáticos de Matias continua provocando o casal, rápido quando vimos Matias já estava enroscado no baixinho e o imobilizou, todo mundo em volta, Matias pede para o medico chamar a polícia pelo celular. Então eu disse “Matias o cara está dominado, afrouxa”. A galera: “nada, tá se fazendo de desmaiado”. O médico falou: “nada, continua apertando”. Em menos de 5 minutos chegou a polícia. Matias soltou e o cara nem se mexeu, não havia revolver: gorozado morreu asfixiado. A polícia chegou para prender um desordeiro e levou preso um pai de família. Olhei o relógio, eram zero e cincoenta. É estranho para mim até hoje ter presenciado uma morte nestas condições. A vida é assim: era um estranho, minutos antes seu bafo e sua voz ecoavam no meu ouvido, estava vivo, agora...
Na caixa tocava A day in the life.

terça-feira, 26 de março de 2013

CANÇÕES NÃO BASTARÃO (de Haroldo Brandão)



O beijo que não foi dado nas esquinas do mundo
E toda a conveniência para o que não dá mais pé
Um convite ao descartável tabaco

Aonde templos de consumo se solidificam
Em rituais para o Deus dinheiro
Como sair desta maré?

Creme dental, burgs, sorvetes, diazepínicos, álcool e estimulantes
Refazendo o mesmo paraíso baudelairiano de séculos e séculos

Um choro que não se ouvirá mais
As mais belas canções não bastarão
Como um lamento do melhor blues
Vibrando como veneno em meu sangue
                 
Se toda a negação gerar poesia
Então valeu a pena ter te encontrado
Com todo o meu amor esparramado em teu colo


terça-feira, 12 de março de 2013

CORTININHA DE FILÓ (de Haroldo Maranhão)



Para mim prima é mesmo que irmã, a gente respeita, mas Bela, sei lá!, tinha uns rompantes que até me assustavam. Naquela noite, por exemplo. Eu me embalava distraidíssimo na rede. Desde menino que durmo pouco, a Bela estava careca de saber e quando menos espero quem é vejo diante de mim? A Bela. A Bela dormia de pijama, minha tia achava camisão indecente, que pijama protege, a menina pode se mexer à vontade, frioleiras de velha. Pois a Bela me aparece apenasmente de blusa de pijama! Não entendi, francamente. e se não estivesse como estava acordado, poderia até imaginar que sonhava: a Bela ali de pijama decepado. Só para provocar como me provocou, que logo fiquei agitadíssimo, me virando e revirando na rede, e a Bela feita uma estátua, nem uma palavra dizia, à espera eu acho de atitude minha, mas cadê coragem?, que conforme disse prima é irmã, e de irmã não se olha coxa, não se olha bunda, irmã pode ficar pelada que a gente nem enxerga peitinho, cabelinho, nada. A danada da Bela sabia muitíssimo bem o que estava fazendo, que chegou um ponto que não suportei semelhante sofrimento, a dois metros da dona de um corpo fantástico. Me levantei da rede e me senti empurrado para os braços da Bela, que sem mais aquela me estrangulou que nem apuizeiro, e hoje penso que ela só esperava mesmo que me levantasse da rede, porque tudo o mais foi com ela, começando por me levar pelo escuro como guia de cego e sem nenhuma-nenhuma cerimônia deitou-se comigo na cama, que depois é que eu soube que os titios tinham saído, a gente estava só em casa e eu bestando na rede, quando bem podia estar há tempos naquele céu.
A única coisa que fiz mesmo foi tirar a blusa do pijama dela e mais nada, que ela cuidou do resto, professora ,mais que escolada, e para começar espetou-me com os peitinhos num abraço que quase me mata. A Bela tinha prática, um fogo tremendo. E começou a maior das confusões, eu nuínho também, que nem sabia o que era minha perna e perna da Bela, as mãos da Bela me amassando a ponto de deixar em carne viva o meu bilu-bilu, que parece que ela estava com raiva do meu bilu-bilu, mas não era raiva e sim uma aflição que deu de repente na diaba da minha prima, que queria fazer tudo ao mesmo tempo, mas tinha só duas mãos, pegava no meu troço, largava, pegava de novo, se esfregava e parava de se esfregar. Agora vejo que não era prática coisíssima nenhuma da Bela, mas uma comichão que se alastrava lá nela. De repente parou, a respiração cortada em miudinhos, dando a impressão de que tinha brincado a tarde toda de juju. E eu, lógico, parei também e ficamos feitos dois patetas, olhando o teto, quer dizer, a Bela é que olhava o teto, que eu não sabia se tínhamos terminado, se me vestia e ia embora para a rede. Nós estávamos colados, braços, coxas e pernas, de alto a baixo, parece que eu estava com uma febre de quarenta graus ou mais. Me sentia ótimo, ela podia olhar o teto o resto da vida e aí eu fechei os olhos e flutuava lele-leve, não sentia nada por baixo de mim, é como se estivesse voando, fora da cama, como se por baixo não houvesse coisa sólida, só ar. Foi quando a Bela virou-se para mim e começou a passar as unhas pela barriga me causando uma friagem e umas cócegas e pegou desta vez com uma delicadeza que até me espantou, o meu negócio inchadíssimo, parecendo que tinha sido picado por um enxame de cabas. Ela olhava para ele de muito perto, virava e revirava o cartuchinho de carne, um picolé quente, que não derretia. Percebi indecisão na Bela. E então falou a única palavra naquela noite, uma palavra só, palavra de três letras, que eu morro e não esqueço essa palavra:
“Vem!”
Ora, a Bela tinha cada uma! "Vem." Ir aonde se eu estava ali? Ela falou "vem" muito, muito delicadamente, me puxou e eu tudo deixava, deixei, fui deixando, a Bela pelo visto sabia muito bem o que estava querendo. “Vem." Ela me guiou que eu não sabia nem a décima parte da missa, às vezes se .impacientava com a minha santa burrice e para a Bela deve ter sido um trabalho dos seiscentos, mas ela insistia e insistia, acabou me botando de bruços por cima dela. Aí abriu as pernas e eu fiquei feito um bobo naquele espação sem saber o que fazer. A Bela fez tudo, tudo,.e gemia como se doesse e devia doer. Foi quando percebi que uma cortina de papel se rasgava e eu entrei por um corredorzinho ensopado. Aí deu nela um nervoso, sei lá o que foi!, ela me empurrou, me expulsando com raiva, eu mais que depressa saí, que não era nada besta de contrariar a Bela. Então percebi uma bruta mancha no lençol. O lençol tinha bem no centro um laguinho de sangue.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A VELHA E O VICIADO* (de Paulo Lins)



Bá preparava-se para deitar quando ouviu a voz cuidadosa de Manguinha entrando pela fresta da janela. Falou que já ia, depois de vê-lo no portão pela porta entreaberta. 
- Quantas vai, meu filho? 
- Eu só queria uma trouxa, só, mas aí: tô meio caído, morou? Se a senhora me vender, amanhã, antes do meio-dia, eu trago a grana.
- Fiado eu não vendo, não, mas se você quiser fumar um comigo é só entrar - disse a velha. 
Seu pensamento num segundo tramou sedução. Havia muito tempo só fazia sexo sozinha. Manguinha sentou-se no sofá encardido, observou a sala: são Cosme, Do Um e são Damião iluminados pela lamparina de azeite; uma cristaleira antiga com alguns copos coloridos; um jogo de chá; a mesinha de centro cheia de objetos domésticos; teias balançando ao mínimo vento. Bá preparou com capricho o cigarro de maconha do tamanho de um bonde, mirando endoidá-lo o suficiente para facilitar a sedução. Acenderam o baseado. A velha afirmou que aquele fumo era especial. Ofereceu uma dose de uísque ao viciado, disse-lhe que tinha uma rapinha de brizola para depois de fumarem. Manguinha adorou a idéia. Fumava rápido para poder consumir a cocaína tão cara e rara de ser encontrada.
A velha sugeriu que fossem para o seu quarto, alegou que poderia chegar uma de suas filhas, não queria que elas a vissem cheirando. Desenrolou as cortinas, derramou a droga num prato quente, apanhou uma lâmina de barbear em cima do guarda-roupa para trabalhar a cocaína. Enquanto transformava em pó as pedrinhas da brizola, dizia a Manguinha que não sabia o porquê de ter-lhe tanto afeto, que jamais tinha cheirado com esse ou aquele freguês, ele era o primeiro e único. Sempre que quisesse cheirar ou fumar era só dar um toque nela. 
- Por que tu não tira essa calça molhada? Bota ela atrás da geladeira. Seca rapidinho. 
- Podes crer! - concordou. 
Aproveitou para tirar a camisa. Dava corda ao jogo da velha. A pele branca de Manguinha era iluminada pela luz da lamparina do santo que atravessava a cortina de tecido ralo. Bá apanhou mais maconha. 
- Vamo fumar outro pra quando a gente cheirar ficar ligadão de uma vez? 
A velha pediu que Manguinha apertasse o baseado, fez dez carreiras de coca no prato. Enquanto fumava deixava a mão escorregar na perna do viciado, fez isso várias vezes. A mudez de Manguinha fez com que ela repousasse a mão definitivamente em sua coxa direita.
- Sua perna é cabeluda! - disse com voz macia e alongando o som da penúltima sílaba do predicativo. 
Manguinha manteve-se calado. A velha apertava os dedos, aproximou a mão para perto do pau duro do maconheiro, deixou que ela repousasse ali, o baseado ia pela metade. Num lance lento segurou o pênis por cima da cueca. 
- Hum... o lulu tá durinho! 
Apertava, friccionava para cima e para baixo. Manguinha agia como se tudo estivesse correndo normalmente. A velha sabia que ele tinha energia para arrepiá-la com vontade. "A vida é muito boa", pensou quando fez desabrochar de dentro das garras da cueca o caralho do viciado. Abocanhou-o no primeiro segundo. Manguinha sentiu nojo no começo, mas o apetite da velha o fez gozar em pouco tempo. Ao se recuperar, pediu-lhe que fizesse novamente. Esqueceram a cocaína no prato, o baseado no cinzeiro, a chuva no telhado. Carcou fundo na velha. O maconheiro, não sabia por quê, se lembrava de sua mãe, da namorada, dos amigos... Tentou parar com aquilo, mas não conseguiu, sentia prazer de verdade em encenar aquele ato.
Aos poucos foi ficando ali como se estivesse perdidamente apaixonado. 
Bá se esparramava nos quatro cantos da cama, nem suas filhas, que eram novas, não tinham varizes, peito caído, possuíam dentes, tinham conseguido um jovem tão bonito. Quem sabe um dia poderia sair com ele abraçada pela rua, apresentá-lo às amigas como seu marido, mas não, era sonhar alto. Se continuasse assim estaria bom demais. Atingiu o orgasmo várias vezes. Quando sentia que o viciado ia gozar, mesmo sabendo que ele se recuperava na rapidez dos seus dezoito anos para mandar ver de novo, diminuía os movimentos para que ele ficasse o maior tempo possível em cima dela. Quando Manguinha gozava, Sebastiana abocanhava-lhe o pau com apetite. Era feliz.

*O título não pertence a obra; história extraída do livro "Cidade de Deus". Espero que este trecho estimule a leitura do livro.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

RESÍDUOS PERFUROCORTANTES (de Marcos Salvatore)


 

Estava com pressa de chegar aqui
Pressa, estou aqui para entendê-la
Tenho tendência a ser subversivo
Mas é gratuito, fruto sarcástico e insolente da virilidade pagã
Coisa de moleque
Palavra bonita “subversivo”
Me faz lembrar da palavra mais linda que se diga
Depois do nome da cria
“Verso”
Mas, não posso dizer que estou sofrendo
Não agora que acho que mudei demais
Será evidente?
Outra bela palavra, de energia extra
Estou mudando de assunto para substituir
Porque estou bem ferido e deformado
E um pisciano de coração partido nada muito mais
Gera noites intensivas e amanhãs de difícil acesso
Observo o rato que perseguimos tanto noite passada
Ele atravessa a sala indiferente a mim
Seu instinto não me nota
Poderia mata-lo agora mesmo
Mas sua presença não me afeta
O que me afeta?
Entrei na onda - mantras auto sugeridos, vibração
Estou me descafeinando, sabe?
Só que filtrar essa borra traz choque e surpresa
É sempre a mesma receita:
Coma
Paixão
E trilhas de filmes que não lembro o nome, agora
Alguém que traga
Fogo para soprar o ar
Varrer a terra a vontade
Alguém com água de sede
Alívio breve que pode acontecer outra vez
Curativo cirúrgico e indetectável
E pode ser comovedor, experimental, absurdo
Capturar a distração de pessoa que passa
E que se deixa querer
Deixando um jeito de andar diferente pra trás
Aquele estranho atrativo que não se recusa, assim, logo de cara
Fora isso tudo... acho que continuo o mesmo
Não tenho opção