De quem é a culpa?

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

MÁ, MAS MINHA

Eu vi seu rosto pálido e pacífico -
e era morte.
A mesma que contava os segundos da vida
- que era espera.
E aquela espera que se prolongava
era sina,
Com a qual eu não concordava
- má, mas minha.

Enquanto a linha que eu desrespeitava
era fronteira,
do desrespeito algo em mim transbordava -
e era vida!
A mesma contada em segundos pela morte
- mas era minha!
Riso preciso contra a morte cronométrica
que era minha.

E se o que me tonteava era álcool
e era paz,
Não era susto o que me deixava lívido:
era o tempo
que me descoloria aos poucos
e me descobria
e me deixava finito em meu desejo -
era perda.

Como não era contentamento que não me cabia -
Era vida!
Que o próprio tempo não comportava -
Era minha!
E não era memória o que me ligava ao passado -
era delírio,
nem era choro ou perda o que me comovia -
era vida.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

AS HORAS TODAS DA CARNE (de Marlon Vilhena)


“— Você vai me matar?
— Se você quiser. Não sujo as mãos por nada.”

Marlon Vilhena não se prende a só um tipo de construção. Ele traça os contrastantes perfis de seus personagens, acentuando em seus diálogos uma noção de uns tantos valores na procura pela essência humana.

Nesta coletânea, cada narrativa tem identidade própria e alicia o leitor para um mergulho sobre a existência, o estímulo, o abandono, a perda de Deus, sexo, amor, vida, morte, entre outros elementos.

O estilo irreverente e anticonvencional nos chama a atenção pela urbanidade trágica, pela aparente (e perturbadora) insensibilidade e por um áspero humor de influências agridoces quase imperceptíveis (“É de pequenas vicissitudes que a gente vive”), o que torna ao mesmo tempo sua prosa derivada e original.

Uma ironia quase urgente, de estética própria e inusitada, encontra-se com o sarcasmo para significar objetos e ambientes em panos de fundo que, em geral, podem passar despercebidos. Como em Dissertação sobre a inércia, com seus cortes cinematográficos em um doloroso fluxo de consciência. Ou em Nome para um desatino: “é essa necessidade infame de cuspir em cima de uma maravilha e perceber que isso é igualmente bom.”

Seu texto às vezes seco, quase perverso, às vezes de uma sutileza quase intimista (“Dona Joana explicou o mundo inteiro ao preparar o café da manhã e esquentar o pão com manteiga espetado no garfo”), dá espaço a uma desconcertante liberdade e flexibilidade moral a quem o ler, para que defina (ou subverta) seus próprios cenários com riqueza de detalhes, “enquanto aquele velho trem descarrila na passagem do fim do mundo”.

Marcos Salvatore