De quem é a culpa?

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

ABRIGO N° 1 (de Marcos Salvatore)

by Andre de Dienes

Por que me olha assim?
Por que fica?
Por que divide a sua comida, o cigarro, a bebida comigo?
Por que atravessar a cidade na chuva pra isso?

- Imagino que seja esse o meu caminho.
O meu destino.
Eu moro aqui.

sábado, 29 de janeiro de 2011

NENHUM MERGULHO É POSSÍVEL SEM SANGRAR (Por Eva Füresz))

O tema proposto refere-se à última frase do conto “Em todos os sentidos”, da grande escritora Maria Lúcia Medeiros.

Trilha Sonora: Ordinary Love – Sade Adu.

Por quê eu sangro?

Porque eu mergulho.

Para te olhar,

Eu preciso sangrar.

Para te sentir,

Eu mergulho.

Sangrar e mergulhar?

Ou será mergulhar e sangrar?

Pouco importa.

Ainda sim,

Mergulho e sangro

VIDA!

(Por Eva Füresz)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

PAPO DE PARAENSE (de Jhones Lobato)


Trilha Sonora: Pinduca



*Só sendo paraense pra entender o texto!*

Um dia eu tava buiado, pensei em ir lá em baixo comprar uns tamatás.

Tava numa murrinha, mas criei coragem, peguei o sacrabala e fui.

Chequei tarde só tinha peixe dispré. O maninho que estava vendendo

tinha uma teba de orelha do tamanho dum bonde. O gala-seca espirrou em

cima do tamatá do moço que tinha acabado de comprar, e no meu tembéim.

Ficou tudo cheio de bustela...Axiiiiiii, porcaria! Não é potoca, não.

O dono do tamatá muquiou o orelha-de-nós-todos, mas malinou mesmo.

Saí dalí e fui comer uma unha. Escolhi uma porruda! Égua, quase levei

o farelo depois. Me deu um piriri. Também...perece leso, comprar unha

no veropa. Comprei uns mexilhões, um cupu e um pirarucu, mto

fiiiiiirme, mas um pouco pitiú.

Fui pra parada esperar o busão. Lá tinha duas pipira varejeira fazendo

graça. Eu pensando com meus botões...ÊEEEE, ela já quer... Mas, veio

um Paar-Ceasa sequinho e elas entraram...Fiquei na roça, levei o

farelo. O sacrabala veio cheio e ainda começou a cair um toró,

égua-muleke-tédoidé, pense num bonde lotado. Eu disse: éguaaaaaaaa,

voimbora logo.

No sacrabala lotado, com o vidro fechado por causa da chuva, começa

aquele calor muito palha. Uma velha estava quase despombalecendo. Daí

o velho que tava com ela gritava arreda aí menino pra senhora sentar

aí do teu lado. O menino falou: Hmm, táááááá cheirooooso..



http://jhoneslobato.blogspot.com/2010/09/papo-de-paraense.html

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ABRIGO II (de Ana Maria Rocha)

Trilha Sonora: Is That All There Is, Peggy Lee.

Queria não ter te conhecido,
vivo a ilusão,
a esperança do teu abrigo,
o meu é a solidao

A solidão do meu contigo

Jardim (Por Milton Meira)

(Trilha sonora - diálogos de filmes de Ingmar Bergman)

No livro
Cala uma sombra.
Nega-se a palavra...
Rega-se uma imagem.

Milton Meira - um engenheiro formado em Belém do Pará que além dos elementos que regem a construção, dedica-se, também, às artes, sem compromisso com as palmas acadêmicas.

miltonaugustomeira.blogspot.com

Harold´s Hits 2 - Por Paulo Emmanuel.

NÓS - pelo traço implacável de Paulo Emannuel

Fábio Castro
Marcos Salvattore

Marlon Vilhena
Renato Gimenes

NENHUM MERGULHO É POSSÍVEL SEM SANGRAR (VERSÃO PAULO EMMANUEL)

O tema proposto refere-se à última frase do conto “Em todos os sentidos”, da grande escritora Maria Lúcia Medeiros.

Brilhante versão do mestre Paulo Emmanuel para o último desafio!


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

EXISTÊNCIA (de Juliana Calonico)

Trilha sonora: Momento -...Pedro Abrunhosa


Há um vazio
Uma vontade de fugir
Há um espaço em branco
Lacunas não preenchidas

Existem vãos
Onde ficarão resquícios de vida
Existem versos perfeitos
Que na prática concretizaram

Houveram poesias
Juras
Entre poetas
Que em silêncio se amaram...

"NENHUM MERGULHO É POSSÍVEL SEM SANGRAR" (Por Fabio Castro)

O tema proposto refere-se à última frase do conto “Em todos os sentidos”, da grande escritora Maria Lúcia Medeiros.


Trilha Sonora: “Todo amor que houver nessa vida” (Frejat / Cazuza) & “Ne me quitte pas” (Jacques Brel – Interpretada por Maysa).

Foi isso, não foi?
Tudo se fez naquela noite.
O último local,
O último gole,
A última hora
E a mesma vontade de ir.
Mas um olhar, apenas num único olhar
Encontramos tempo para mais um drink.
O mesmo drink,
A mesma sede,
O mesmo copo – afinal, temos o mesmo vício –
O encontro das salivas,
E uma outra vontade de ir.
Até que fomos!
Foi isso, não foi?
De repente éramos nó,
Éramos pó de nós mesmos,
Éramos amantes,
Éramos vibrantes,
Éramos melados,
Éramos significante e significado,
Éramos um par correlato.
Não hesitamos em nos ligar em uma cama.
Às vezes redonda,
Às vezes quadrada,
Às vezes retangular,
Às vezes molhada,
Às vezes metálica,
Às vezes na vertical...
Estávamos profundamente ligados
Pelo corpo,
Pelo sexo,
Pelos lábios,
Pelos seios,
Pelos pelos molhados
Em nós mesmos...
Nos assentamos em nossos corpos,
Loteando-os,
Semeando-os,
Delimitando-os,
Descobrindo-os,
Até tornarmos proprietários deles.
Levamos tempo nisso, muito tempo!
Foi isso, não foi?
Mas o tempo nos convenceu
Que precisávamos de mais tempo.
E conseguimos, não foi?
Mergulhamos em busca de dias,
Horas,
Minutos,
Segundos, que fossem.
É o tal Carpe Diem...
E assim nos permitimos,
Submergimos,
Esquecemos,
Utilizávamos todo o tempo que tínhamos.
Devíamos ao tempo!
Porque era isso que queríamos,
E por isso nos esquecemos...
Foi isso, não foi?
Esquecemos que já não tínhamos tempo
Para as pessoas,
Para outro olhar,
Para mais uma bebida,
Para o último drink,
Aquele que nos ressignifica,
Que nos prepara para esse
E futuros mergulhos.
Banalizamos tudo.
Simplificamos tudo.
Viramos “lugar-comum”.
Mas pouco nos importávamos.
Era isso que queríamos!
E juntos, dizíamos:
- Não custa nada! Não vai custar nada!
Era sempre assim.
Nos comportávamos sempre assim.
Porque para nós nada custava nada.
Até sangrarmos muito!
Foi isso, não foi?
Era sempre assim!
Mergulhávamos até sangrarmos.
Pois só após sangrarmos,
É que percebíamos o quanto doeu.

(Por Fabio Castro)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

NENHUM MERGULHO É POSSÍVEL SEM SANGRAR (versão Vilhena)

(por Marlon Vilhena)

O tema proposto refere-se à última frase do conto “Em todos os sentidos”, da grande escritora Maria Lúcia Medeiros.


Trilha Sonora: Sinfonia Nº 5 em Dó Sustenido Menor (Gustav Mahler).


Um poeta sangra amor dentro de um maço de cigarros.
Um poeta é um fodido a farejar num cabaré.
Meu poeta diz amém às putas pobres de Bukowski.
Meu poeta não tem pátria, não tem lar, nem mesmo fé.

Um poeta não se faz numa gaiola abrilhantada.
Um poeta não espera sua morte por perdão.
Meu poeta planta um mar de danações e regozijos.
Meu poeta ensaia a vida em cima de um papel de pão.

Um poema não se escreve, colhe-se das tempestades.
Um poema tem a forma de um tornado de saudades.
Um poema nunca pede para ser revelação.

Meu poema é um mergulho em ossos, carnes e acidentes.
Meu poema é um comboio de fantasmas delinquentes.
Meu poema nada sabe do que seja redenção.

BRISA (de Marcos Salvatore)

by Sara Saudkova

(para Baby Suporte – Natália Lemos. Você pediu, aqui está, sem eira nem beira)

Mas meu irmão, a Brisa não se cala, não para de me acabar, de ser feliz
Quer que eu diga coisas que nem ela diz, só sabe amar e curtir
Me escraviza em seu tesão, só me dá dando no chão
Aos seus pés, amarrados meus braços, pernas, minhas mãos

Se perdeu pra sempre na canção, se agarrou a mim em seu caminho, sem perdão, sem dever
Quer meus ombros pra se unir ao amigo incestuoso que sou, a um irmão
Minha voz de menino para dormir, não sei dizer não, não sei ser ou não ser
Me beija, me abraça, me casa, a Brisa me dá comida na mão, é toda minha

Me dá força e coragem, experiências em latim, me bebe a saliva, me dá provação, proteção
Mordendo e arranhando à carne viva, me carrega em seu ventre
Põe o labo B de um disco ok do Lupicínio, bom para felação
Quer que eu a mastigue, quer que eu a goze junto com seu choro e capricho

É meu consolo, meu interior, é o que eu sou capaz
É minha Yoko Ono, meu curso superior, meu pouco de paz
Meus acordes que se unem, é o amor
Minha Nina Simone, minha Joni Mitchell

Me senta as costas com seu cinto de sair, para que eu me zangue e soque forte
Tem a tara fecal de comer gala com comida, “porra Brisa, o que é isso?”
Não me joga fora nem quando está cansada, me pinta com cores vivas, pomba pra cima
Me dá leite do peito para a sede se eu pedir, se eu pedir muito, se deixar

Cicatrizes pelo corpo e na alma me deixam confuso e sem par
E a calma que não cansa, nem poupa, sobrou arrastada pelos cabelos onde não há norte, nem sul
Pois a Brisa arrancou meus pêlos, um a um, de leste a oeste, a barba por fazer de super homem
Em seu poder minha língua, meus pentelhos e dedos: hímen de tocar baladas

Me pinta de Bozo para uma boa sodomia, me chupa se eu broxo,
Quer meu creme em seu rosto, bitoca no seu nariz
Vai rir sem parar se eu pedir para ir embora, eu garanto, ela diz: “pode ir”
A beleza é uma exceção entre opostos, eu prometo, eu avanço

Não me fale dos riscos, já sei das noites caladas e brancas
Que é tudo muito lindo, muito lento e sem paradas, paredes ou intentos
Mas prefiro o que quero não o que imagino querer
É tudo culpa da dor, peço perdão se não me entende

Eu não bebo, eu não rango, mas meu pau conhece os planos dela, apenas confia nela
Estou à vitaminas e tequitos de frango à semanas
Salvatore sem fogueira para queimar, sem incenso ou confissão
Imenso de fogo, de terra, de água e de ar, de magia do amor para dar

E a soma disso sempre muda de ângulo, de firmamento no mar
Eu a temo, eu a amo, eu a odeio em nossos momentos
Eu a quero por ser a assim e a mim, no gerúndio e no presente
Só quem ama me entende e tem alguém pra cuidar

MARTA MORTTA BLUES (de Marcos Salvatore)

by Erwin Olaf

- num sô doida
você não tem noção
de como estou me sentindo
de como ando toda assim
de mão beijada

bêbada
vendo o corpo para me consumir
vou tentar me perguntar
um porquê que não adivinho
de transar com quem quiser
me amar ou pagar
uma taça de vinho
mas vou dar a volta por cima
eu vou me cuidar
me levar para outro lugar
isso é o suficiente pra mim?
talvez não, quem sabe?
eu sou controversa, eu grito,

só sei assim
pavio curto, eu sou péssima
busco prazer em bocas e tatos
de arte e cultura – eu admito.
depois me enturmo com os ratos
teoria pura, fardo leve
de mesura gasta, obscura

de preencher qualquer espaço
essa batalha é só minha
- por que tem sempre tanto a dizer?
sou uma recriminação passageira
papel higiênico usado
para escrever conjecturas indefesas
tenho desenhado você
em letras carmim,
nas paredes dos bares da vida
poesias te chamando de querido ou querida,
com palavrões de transa franca

- doida é o teu xiri!
venho esperando por caronas de lugares vagos,
amantes ou amigos que sempre me ofereçam um trago
você me ligando, implorando
sem dor,
nem dívidas,
apenas pensamentos claros
só que eu cobro mais caro
você não
- a dúvida morava somente em seu perdão
e o meu te guardava
sempre uma nova canção
maliciosa,
perene,
inútil,
destra suja;
eu me lembro,
eu voltei,

eu voltei,
eu voltei...
eu falo mesmo,
mas exijo
quer mesmo saber?
se não quer e não sabe,
eu não digo,
ou melhor
vai te foder,
vai mesmo por esta,
eu insisto e não calo

há essa hora
atrás dessa porta

- "num sô doida"
só não quero lembrar

que você foi embora

POR OCASIÃO DOS 395 ANOS DE BELÉM DO PARÁ

(Trilha sonora: Cesarea Évora & Pedro Guerra, "Tiempo y Silencio"; R.E.M., "Everydody Hurts")

De que te defendes, cidade?
Os teus canhões, para onde apontam?
Quem eles querem afastar?

Teus corsários franceses?
Já se foram.
Os piratas ingleses?
Não vieram.
Os invasores holandeses?
Não chegaram...
Os galeões espanhóis?
Naufragaram...
Teus índios aldeados?
Já desceram,
Já morreram,
Já renasceram
Em outros contextos mais pobres.

De quem te defendes, cidade?
De mim – que teme os teus ratos?
De mim – tão preso a contratos?
De mim – e meus amigos rotos?
De mim – e minha lucidez de tragos?
De mim – estudioso dos teus textos tortos?
De mim – perdido em teus interstícios vários?
De mim?
De mim?!?!

Ah, cidade,
Somos feitos da mesma matéria -
Sonho, cimento e mania.
Miramos a mesma liberdade -
Vastidão da tua baía.
Partilhamos do mesmo destino -
Porto de chegada e partida.
Banhamo-nos no mesmo desgosto,
Imersos em vulgaridade colorida.
Irmanamos na mesma penúria -
Artigo de camelô da esquina.
Nos ferimos em auto-flagelo -
Sangue em devoção à Maria.
Habitam-nos as mesmas mulheres:
Meu Amor, filha e filha.
Motorizados na mesma pressa
De trânsito, calor e agonia,
Testemunhamos a mesma miséria -
Lixo e mendigos nas guias.
Lavamo-nos na mesma chuva -
Força que as tardes esvazia,
Seguimos os mesmos passos
Na dureza da lioz pedraria.
Contemplamos os mesmos monumentos -
Sobras de galicismo e lusofilia.
E de memória traçamos itinerário
De cosmopolitismo e história tardia,
Por entre as velhas fachadas das casas
E seus rostos de azulejaria.
Sob as sombras verdes dos parques
Entre turistas, grama e argila,
Espero com minha parca crença
De perspectivas, criação e poesia,
Que tua mutêz ruidosa ouça
- mesmo que não seja ainda -,
Meu rogo a ti, cidade à deriva:
Não me apontes teus canhões por um dia.

(Renato Gimenes)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

INSTANTÂNEO (XX)

(Trilha sonora: Titãs, "Miséria")

Comer
Do frio pastel de nada
Com gosto de pena
Tunel de passagem
Do suor ao vazio
Sob a chuva.

(Renato Gimenes)

ALEGRIA DO FALO EM SUA LÍNGUA (de Marcos Salvatore)

by Irving Penn

Aprendi a gostar de dias imperfeitos
Quando é assim, sempre pego meu violão e retorno ao truque
Esperando pelo dom, pelo som, por um abutre
Mínimo múltiplo comum de um irmão

Pela mulher de trastos e acordes de aço enferrujado
Acentos agudos em espaço um da máquina de escrever
Biotônico estelar, milenar, cavalar
Que faz da gota de leite pendida no bico de um seio um compasso

Não me ofereço sem lutar, sem ter sido escasso
Sem ter ido mais fundo e em falso, meu bem
Meu coração de sete notas menores viaja
Sem troco e talento de cobre, sem bolso, sem preço ou vintém

Sustenindo seu tronco em minhas mãos
Das minhas letras penetrando suas ancas de dedilhada, incestuosa mãe
Ainda não falo em sua língua, meu crocodilo não chorou
Mais azougue escorrendo dos meus dedos para sua boca

Sua cura é a comida pra essa fome de camponês urbano
Só o que tenho pra te dar em exagero é o que eu tenho pra te dar
Ninguém é forte bem alimentado de ilusões
Estou onde posso estar e ser, sem favores para dever

Quando posso esclarecer que sangra onde tive outrora asas
Penas arrancadas pra escrever certo entre linhas tortas
O toque da doce fêmea esperando pelo sal
Do amante rude e imprudente

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Ora, merda

(por Marlon Vilhena)

Trilha Sonora: Procreation of the Wicked (Celtic Frost), na versão mais do que absurda do Sepultura.

as formigas se enfileiram, seguem-se pela rachadura na calçada.
o pé grande com tênis de R$ 139,90 decreta o fim pelo alto.
um defunto diz valei-me, deus, que o demônio quer comer meu rabo,
começando pelo colhão.
deus esvazia o cinzeiro e com voz de ressaca pelos ventos ressoa
que se foda, arranja-te sozinho praí que eu tenho mais o que fazer.
as formigas fogem, desembestam, esmigalham-se.
uma barriga sente fome, um avião despenca.
um estupro por excelência nos Andes.
um vômito por excrescência em Istambul.
o defunto levanta um cotoco viril da terra,
deus assoa o nariz e vai buscar aspirina na prateleira.
ora, merda.
porque sim.

NÃO TEM NADA DEMAIS (de Marcos Salvatore)

by Arthur Fellig "Weegee"

Você não quer beber, não quer falar
Não quer fumar porque está desempregado
Isso te faz beber o caldo calado e sonhar
Com aquele emprego no estado

Isso não é sua vida últil, não é o fim, não é azar
O barato da neura é a paranóia que dá
Não tem nada demais em contar as moedas num bar
A gente ainda pode estar e beber lá no Bazar

Até o dia em que você se toque
E não queira mais viajar para outro lugar
Nem saber do Bigode, meu amigo, eu juro que juro
Que te dou um toque pra um próximo concurso público

Mas se continuar com essa cara
Eu te canto um som do Sérgio Sampaio que ninguém resiste
Pra sambar por aí, prisioneiro solto na patifaria
Naquele Carnaval de varar, de alegria, de noite e de dia

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O revelado

(por Marlon Vilhena)

Trilha Sonora: -------



Vai pela estrada um mendigo de ti mesmo, quebrando galhos e plantando cacos de venenos no asfalto. Vai com o nariz arrebitado, cheirando flores putrefatas, regadas com gemidos e pontadas de agulhas. Vai o mendigo de ti mesmo, vai. Segue pisando duro em fumaças de ferrugem, atravessando máquinas de fuligem, engolindo a própria voz no furacão. E segue hilariante, pronto a morrer e a combater dragões nos descaminhos que se repetem e se cansam.
Continua pela via que esfria na noite do deserto o teu mendigo de temores. Rege orquestras de abutres a rondar carcaças, declamando amor em ira, cuspindo do alto de precipícios. Gargalha o teu mendigo tal qual criança que não sabe que jamais soube voar. Gargalha em borbulhas, agora que o sol assassina e a festa é no princípio do horizonte.
Faz a última oração o mendigo de ti mesmo em meio ao pó. É tempo de fechar o calabouço: dobraduras rangem. Range o coração, enquanto os pássaros cantam na eternidade a repousar lá fora.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Harold's Uordi‏ (de Paulo Emmanuel)

Amigos,
Estou estreando esta tira que terá debut na França, na revista franco-paraense La Bouche du Monde, do amigo Edu Barbier. Apreciem sem moderação.
Abs
Emman



quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

CONTUMAZ (de Celi Abdoral )

Trilha Sonora: Jards Macalé

Ando muito apaixonado pela Celi, mas não conheço sentir o que sinto sem viver o que sinto, por isso estou postando um poema/comentário sensacional, que revira alegria e salta pro amor; presente dela para o meu "Mergulho sem sangrar". Tomei a liberdade de também dar um título.
Beijos do Sal.


nem sabe como chegou lá
tava muito bêbada.
já foi acordar com o sol
esquentando o colchão.
levantou de mansinho,
mas, chutou sem querer,
uma carteira de cigarro amassada
que perambulava pelo quarto.
fuçou a casa na ponta dos pés
passando os dedos em tudo o que via.
(entediou-se)
decidiu voltar pra cozinha,
andava nua.
a pia tava um lixo, a casa uma bagunça;
não ligou.
catou dois copos, uma panela e um coador.
acendeu a boca do fogão com um isqueiro gasto
que só servia mesmo pra isso.
Fez café. Preto.
adoçou.
serviu os copos e levou para o quarto.
parou na porta e ficou olhando.
passou a mão na bunda dele
(deu beijinhos)
acorda vadio....
(grunido)
fiz café.
ai que ressaca, quero água.
cara a tua cozinha tá uma bagunça
e a pia um nojo (riu...)
(beijo na boca)
po-de-crê.
deu um puxão nela pro colchão
viu??também sou bom de judô,
esqueci de te dizer isso ontem.
vem cá vem.
[...]
treparam o dia todo
e por mais três dias.
o resto, a casa, a bagunça;
todas as outras coisas
ficaram lá
coaguladas na indiferença.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

NENHUM MERGULHO É POSSÍVEL SEM SANGRAR (POR RENATO GIMENES)

O tema proposto refere-se à última frase do conto “Em todos os sentidos”, da grande escritora Maria Lúcia Medeiros.


(Trilha sonora – Friedrich Nietzsche, Piano Works; Richard Strauss, Also Sprach Zarathustra, em especial as seções "Von der Wissenschaft" e "Der Genesende")

Se é de sangue
a lição aprendida
para quem mergulha
No Abismo,
Eu devo dizer
Que estive lá,
Bem no fundo!
E mergulhei
No rio de sangue
que nele corre.

E aquele sangue abissal
Penetrou nas minhas veias
E me instalou o abismo
Quando mergulhei
Em mim mesmo.

E aquele sangue
Era escuro
Era gelado
Era sombrio
Era feio
Era feito
Veneno
Tinha efeito
Alucinógeno
Tinha desfeito
Meu mundo
Quando o tingiu
Com suas tintas
De desejo
de finitude
e de morte.

Aquele sangue
Era meu!

E, mesmo hoje,
- Depois de tantas sangrias,
Depois de tanta profilaxia, -
Algo dele ainda corre
Em mim
E me traz
À consciência
A proximidade
Do Abismo
Que multiplica-se
Pelas coisas,
Pronto
Para rachar-lhes
A superfície
E continuar
Sua lição
Sanguinolenta
A cada mergulho:

Sangra-se
Quando se abisma
Ao mergulhar no outro.

Sangra-se
Quando se abisma
Ao mergulhar no hímen.

Sangra-se
Quando se abisma
Ao mergulhar na pele.

Sangra-se
Quando se abisma
Ao mergulhar só.

Sangra-se
Quando se sabe
Que se sobrevive
Ao abismo
Quem galvaniza-se
Na dor

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

FRAGMENTOS (de Ana Maria Rocha)

Trilha Sonora: A madrugada e um piano.

desnudar,
revestir,
descobrir,
Uma guerra neurótica;
fenda:
no Eu,
clamor:
do Eu,
desabafo:
Meu,
ocultado pelos sentidos
rejeitado pelos domínios

CRONIKETA (V)

Trilha Sonora: Barulho de um "Popopô" na orla de Breves.


Bate-papo animado entre quatro pessoas numa pizzaria. Uma delas pergunta para a outra pessoa que chegou atrasada:
- Por quê tu chegaste só agora? tu moras aqui em frente.
- É que eu estava terminando de ver um filme: Moiséis.
- Ele é aquele que divide o mar?
- É... é aquele que pega a varinha e arrasa.
- Porra! Transformaste um cajado numa varinha. Ele não foi uma fada, ele foi um pastor, lembras? Rebanho... Ovelhas...
- Eu sei! Ele é aquele cara dos doze mandamentos. Que horas são?
- São dez!
- O quê? Dez horas já?
- Não! São dez mandamentos. Oba! Chegou a pizza. Graças a Moiséis.
Risos e engasgos simultâneos...
- Tá vendo! come devagar.
- Tá bom... tá bom... vou comer...


(Por Fabio Castro)

NAQUELA NOITE DE LIBERDADE

(Trilha sonora: silêncio puro e simples)

Naquela noite em que tu me despiste
Da vergonha e das travas,
Do medo da lava,
Do pudor de mim mesmo
E de minhas memórias passadas,

Naquela noite
A cidade foi nosso quarto!
E cobrimos todos os vidros
Com um misto
de transpiração e orvalho.

Naqueles vidros, amor,
desenhamos nossos jogos
e rimos de nossos empates!
Naqueles vidros, amor,
Rascunhamos nosso futuro
e riscamos a dedo nossos nomes,
assinando nossa existência.

Naquela noite que você se fez turba
E queimou minhas Bastilhas
E implodiu meus gulags
E enforcou os meus juízes
E me apresentou o oxigênio,

Naquela noite
a rua foi nossa cama!
E cada luz de poste
Cada farol de carro
Cada luz de patrulha,

Aquelas luzes, amor,
eram fracas diante
do nosso olhar de liberdade!
Aquelas luzes, amor,
eram tímidas testemunhas
De uma nova soberania,
De um novo poder nascente!

Naquela noite, amor,
Eu, desterrado,
Migrante, exilado,
Finalmente aportei,
Pisei terra firme,
Caminhei esperançoso
Em minha vida nova,
Em minha outra língua,
Conhecendo os sinais
de um novo país.

Naquela noite, amor,
Passaste a ser
Sob forma de mulher
Os campos abertos
As ruas da cidade
As estradas livres
As praças arborizadas
As dunas de areia
As datas e declarações
De Independência.

(Renato Gimenes)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

PURA IDADE (de Marcos Salvatore)



O broxa Ano Passado acordou descalço e chapado
Pegou sua mulher pagando um ket no Ano Novo
Encheu-se de dor e matou a si mesmo.
Caiu com a cara enfiada no ralo.

Encomendo agora a sua alma

Aqui jaz
Terra à terra
Cinzas às cinzas
Pó ao pó

Etc. etc., e é claro, etc.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Chavão

(por Marlon Vilhena)

Trilha Sonora: cristais de um mensageiro-do-vento no prenúncio de uma tempestade.


O coração escuta os gritos
palavras não ditas
as benditas
as malditas
que sua voz profere
e fere.


O coração disfarça descaradamente
o que mente
o que sente
na redoma negra
da nicotina
(Ah, menina!)
da bebida
afogada ressentida.

O coração, pobre coração
esta máquina de ilusão
não se contenta
com o que aguenta
e tenta
tensa, veloz, lenta
alçançar por fim o chão
da terra-perdição.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

PONTO SUPRA-EXTERNO (de Marcos Salvatore)


 I

Baby, me ouça contar tudo
Estou com isso preso na garganta,
Como um pomo-de-dão
Me soletrando as sílabas

Senta aí, depois cala essa boca

II

O proveito da terra
É a serventia do pão
E eu me pareço com meus erros
Toda vez que deixo passar meu coração de mão em mão

Preciso de um porre que coincida com a perda de tudo
Com a falta de vergonha na cara até de chão pra me jogar
Não existe palavrão que não tenha sido dito - isso eu posso assegurar
Brincadeira tem hora certa de parar e a gente estaca

Um em frente ao outro
Respondendo, reagindo, atacando

É difícil acreditar em tudo
Depois descobrir que nada é importante
As pessoas se contentam em seguir adiante
Depois do sinal verde, irrelevante

III

Está tudo em cima
O cigarro, o lugar e o vinho
Uma mesa de vidro suja
Em cima o perfume que você usa.

Que seja assim para lembrar

Toda noite eu te procuro e te envolvo
Me sento, me finjo de morto
Me ponho em seu colo e choro

Eu te agarro, e te levo pro bar.
Depois te deixo com a conta pra pagar

Foi você quem quis assim - eu te avisei
Assim não há ninguém que aguarde
O meu amor é assim, se deixa levar.

Mas sou teu amigo sem cobrar
Esse lance de idade suja a barra pesada
Do que eu sinto por você
As tuas coisas, os teus peitos, a tua boca

Só me dão prazer quando eu cobro
Você é a mulher do meu mundo evanescente

IV

Porque o dia nasceu,
Tem mais gente nas ruas,
Alguns em cima da hora,
Outros dando em cima de alguém.

De que vale a sensação de coisa inteira?
Deve ser pra se fechar, se ignorar
Ou então pra terminar o que se começou.
Pra se abraçar ao beijo que ainda não rolou.

V

Talvez você já desconfie
Mais ou menos como uma letra ou quatro
Que sempre cabem num melhor lugar
Bem felizes por mostrar o que se sente

Estou complicando demais, pode crer
O que eu tenho pra dizer é bem mais simples
Não é difícil de se ver, mas de dizer
É um sentimento bonito, arborizado como um bairro antigo

Mas quer saber de uma?
É melhor não dizer nada.
É preciso viver o gosto.
É preciso viver.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

BREVIDADE (de Marcos Salvatore)

by Bernard Plossu

Meu amor,
Vou chegar tarde, mas me espere
Não se importe com as horas, por favor
Fazem parte do tempo e são ingênuas

Prometo tentar não me perder
A tarde choveu e os carros enlouqueceram
As pessoas correndo na pressa
E eu tentando voltar pra você

Tão difícil encontrar os atalhos que sobraram
Tenho a impressão de tê-los fechado para sempre
Mas sobrou um pouco de fôlego pra correr agora
Não se preocupe, eu estou bem

A vontade é o combustível do desejo
Guarde um pouco de sorriso
Desarrume o que está bem arrumado
Depois a gente dá um jeito

O melhor de estar feliz, desastrado
É a esperança de nunca mais ser infeliz
Nunca mais se preocupar com embaraços
Nunca mais esperar, nem demorar




segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

INSTANTÂNEO (XIX): PORRE CÓSMICO

(Trilha sonora: "Fly me to the Moon", Frank Sinatra; "Terra", Caetano Veloso"; todo o disco God Hate Us All, do Slayer)

Beber na lua.

Dormir na Terra.

Acordar em Júpiter.


(Renato Gimenes)

INSTANTÂNEO (XVIII)

(Trilha sonora: barulho do mar, de dentro de um barco)

- Égua, amor, aonde é
que tu vieste parar?

- Contigo...


(Renato & Sâmia)