De quem é a culpa?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Divagações e blusas brancas

(por Marlon Vilhena)


Trilha Sonora: O som de um charuto sendo tragado com força, após um longo gole de absinto sem gelo, lendo Álvaro de Campos.


As coisas não são apenas coisas, assim como eu não sou somente eu.

(Espera um pouco: isso está certo? Vamos começar de novo.)

As coisas não são apenas coisas, pois nada é realmente o que parece ser.

(Hum, ainda não está bom.)

As coisas não são apenas coisas. Se assim fosse, o mundo estagnaria, a vida não daria voltas, os pássaros não saberiam voar, a minha vizinha não surgiria cada vez mais bonita e sensual naquela blusa branca, debruçada em sua janela.

(Não, nada disso, nada disso. Espera um pouco, vejamos. Ah, sim.)

As coisas não são apenas coisas. O espelho da vida reflete as máculas do mundo, e é nessas máculas que mudamos, que tentamos, que amamos e odiamos. As coisas não são nunca o que parecem ser pois, se assim fosse, o planeta estagnaria, a vida não daria voltas, eu não estaria aqui buscando entender a mim mesmo em meio às minhas tralhas, minha vizinha não estaria cada vez mais gostosa naquela blusa branca, a evolução não teria lugar no universo, e eu não estaria pensando em parar de fumar pela milésima ducentésima octagésima terceira vez. As coisas não são apenas coisas, como este chiclete em minha boca é mais do que um chiclete. Tudo é de uma obviedade espantosa, e talvez seja pelo espanto que nossa consciência prefere esquecer. A lição não aprendida e herdada.

(Definitivamente, é melhor esquecer. Minha vizinha debruçada na janela me traz mais compreensão do que todos os livros do mundo. E se um escritor não compreende a si próprio, é melhor se concentrar em blusas brancas.)

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