De quem é a culpa?

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Becos (Wild Side)

Vi-te exposta
em letra, em ruído,
em sussurro
de voz grave,
voz áspera
como teu couro negro
ampla
como teu sexo fluido.


Os teus becos,
eu também os conheço:
os corpos sem fronteiras,
os beijos
concessões
de desejos aflitivos
transpirando
e ejaculando
ternuras
em braços
que são armas
que são flores
que são falas
que são presas
que escorregam
por causa do teu suor...

Os teus becos
são também meus becos!


E suas palavras
são também saliva
que marca o copo
do meu whisky
que arde
minha caligrafia
derretendo
e moldando
a cera
da qual sou feito.

Meus becos
são preenchidos
com tua palidez.


Meus becos
eu os desdobro
com as letras
que me brotam
que me adentram
que me seduzem
e que me lembram
os teus desenhos
rejuvenescendo
continuamente
tua pele!


Meus becos
São também
tuas dobras
que se infiltram
em meus túneis
de silêncio
de água
de sangue
de carne
e me aquecem
me deixando pronto
para a morte
para a vida
para a palavra.


Meus becos
são também
as dobras
de tuas palavras...

terça-feira, 1 de outubro de 2013

IA E VINHA DO MEU LIXO (de Marcos Salvatore)

by Edouard Boubat

ou
QUEM NÃO GOSTA DE FINAIS FELIZES?

Trilha sonora: Today – Jeffersoon Airplane

- O quê?
- Eu falo para ouvir não para gravar.
Fingi não ouvir a insinuação. Devia estar sonhando. Estava bêbado de sono, em uma van com cheiro de peido velho de mofo (deu), às três e meia da manhã, com a fome que somente as poucas moedas do bolso poderiam piorar; estava ferrado. “Porra de música escrota”.
Um pouco do sonho me ensurdece com você dizendo: - “Tu nunca me abraçaste na rua, como nos filmes”.
- “Nos filmes os personagens se contentam com abraços por causa da bilheteria, Princesa”.
Mais uma vez consegui me convencer que nada havia em encher a lata, de segunda para terça. E acreditei que dormir bastaria. Meu alcoolismo faria aniversário de dez anos em breve, muito em breve. E as ereções involuntárias de sua autoestima não serviam mais como freio para o meu frenesi pecaminoso.
- “Tu não prestas pra nada”. E eu não reagi, como sempre. Levantei e saí para beber. Fiz uma escolha. Precisava que ela me odiasse.
Passam das duas nesse setembro. E os meses realmente passam. Aceitamos isso. De Belém até aqui só três ou quatro acidentes fatais. E eu juro que preciso de um café. A tristeza tem sede e urgência.
Uma tia, ao lado, diz:
- Quase outro país, nessa porra!
- Fica fria, Tia, tá tudo em cima, aí, não seja extrema.
No vidro embaçado pelo sereno da madrugada formo o nome de alguém: Lil – quem é Lil? Gostoso de escrever depois desse pé d’água.
A Tia: - “Nem te conheço chuva. Fuleragem, caralho. Peiiii!! Peiiiii!”. E batia na lataria da van com uma delícia que me deu inveja.
Ela põe a mão pra fora e a deixa molhar: - “São tão indefesas, quase podem me machucar”.
- Quem, Tia?
- Quem o quê?
- O que a senhora disse, aí.
- Eu disse o quê?
Deixei pra lá. A moça ao lado acorda. Olha pra mim. Quase digo: - “Estou sozinho se você e os seus peitinhos de carne quiserem”.
Alguém fala pra Tia: - “Foi uma medida provisória, Tia”.
- “Provisório é o meu xiri”.

Quando reajo aos ladrões entrando armados, não resisto à reflexão: - “O Brasil é um país provisório Tia, nós, não”.
Antes de levar meu tiro sinto a falta dela um pouco mais... depois cada vez menos... e menos... menos...