De quem é a culpa?

segunda-feira, 27 de junho de 2011

“BATA-ME, PELO AMOR DE DEUS” (de Bosco Silva)

A CONFRARIA
“O pênis é a menor distância entre duas almas”
Marquês de Sade
Havíamos criado uma confraria, uma irmandade, a Confraria dos Poetas Libertinos. Que abrigava alguns dos mais pervertidos de nossa época. Dedicávamos incessantemente a essa grande arte, já quase esquecida, minada pelos problemas econômicos e religiosos, mas que a tanto custo se mantinha viva, embora houvesse perdido muito em qualidade ao longo de tanto tempo: a grande arte da foda.
Fazíamos jus a cada gota de esperma, a cada estocada bem metida, a cada gota de suor expelida, como havia nos ensinado o grande Marquês de Sade. Nossa irmandade se encontrava uma vez ao mês para botar não apenas a grande arte em prática, nos melhores e piores puteros que conhecíamos, como para contar as mais libertinas e devassas histórias, embaladas ao mais doce vinho. Um verdadeiro culto à Baco, a esse Deus tão jovial e ao mesmo tempo tão esquecido, perdido entre as coisas consideradas antigas.
A libertinagem naqueles tempos era levada a sério, como nos saudosos tempos bíblicos. Lá se encontravam Petrúquio, o “sagaz”; Martinho, o “libertino”; Márcio, o “espirituoso”, e assim, como tantos outros, modelos que fazem tanta falta aos dias de hoje.
Uma noite no bordel...
- Ao sabor deste maravilhoso vinho, neste templo sagrado à luxúria, após uma maravilhosa orgia, companheiros, contem-nos suas aventuras, suas histórias mais pecaminosas, que poucos mortais contariam com orgulho – disse-lhes Petrúquio, já bastante embriagado pelo doce sabor do vinho.
- E tu Petrúquio, não terias uma boa história a nos contar? – disse Edgar.
- Como todo bom e velho libertino, mas não antes de abastecermos nossas mesas novamente com este maravilhoso vinho.
Taverneira, não vedes que temos sede, não apenas de vida, mas também de vinho? Então, sirva-nos sua maldita – gritou Petrúquio.
Após alguns goles, e enxugando as gotas de vinho que lhe escorria pela barba com a manga da camisa, pôs-se a relatar sua história:
- Havia alguns anos que não encontrava um velho amigo, exímio apostador e um grande libertino. E por acaso, encontrei-o numa noite na rua.
Convidou- me, então, para tomar alguns goles de vinho. E como um bom jogador, após relembrarmos algumas aventuras, pôs-se logo a fazer mais uma das famosas apostas suas.
Disse-me: “Aposto que não és mais capaz, oh! Petrúquio, das nossas velhas aventuras. Tens ainda coragem de entrar num puteiro, ludibriar, e fazer com que a puta não lhe cobre?”
Confesso que a muito tinha perdido a prática em tal ato, mas não pude, de modo algum esmorecer. Disse-lhe, então: - Vamos, escolha o bordel e a puta.
O bordel escolhido foi de Madame Nise, antiga cafetina, mulher avarenta e extremamente rígida, como uma madre superiora. A escolha não podia ser pior.
Todavia, o que a princípio parecia ser péssimo, piorou, ainda mais, quando também ela foi a escolhida.
Nise, mulher elegante, de finos modos, mas que aparentava ser fria, como aquelas putas que fornicam com o olho no relógio.
Levei-a, então, para o quarto... Parecia que tinha esquecido a muito o prazer em sua memória.
Tratei-a ora como uma verdadeira dama, ora como a mais devassa das putas, pois, como sabêis, na arte do amor, deve-se tratar uma puta como uma dama, e uma dama como uma puta. Eis um segredo infalível!
Pois bem. Chupei com avidez seu clitóris..., masturbei-a incessantemente..., beijei-a até mesmo onde a luz do sol não a clareia..., mas nada parecia ser o bastante. Penetrava-lhe, então, com ardor em sua vagina..., mas ela continuava fria, como uma morta. Tentei de tudo que a uma boa ou má mulher excitaria, pois, lembrei-me que mesmo uma puta haveria de ter seus caprichos. E que agradando-a, talvez, me recompensaria com uma noite gratuita.
Em um dado momento, já desesperado por nenhuma resposta, dei-lhe pequenas tapas, como forma de desabafo, que estalavam em seu rosto gorduchinho. Ela, para minha surpresa e felicidade, sorrindo, imediatamente, começou a implorar-me:
- Bata-me... bata-me... pelo amor de Deus, bata-me...
- Ah! Safada - exclamei pensativo.
E enquanto mais me pedia, mais eu intercalava com a ausência de tapas, o que me dava um prazer enorme em provocá-la, e ver lhe suplicar-me. O que, por outro lado, certamente, mais lhe excitava, implorando por tapas cada vez mais fortes.
- Mais... mais... mais... – então, dizia.
As tapas, os sorrisos, seu corpo na fúria louca do desejo, iam num crescendo que parecia não terem fim...
E, enfim, realizando seus desejos, acabei por desmaiá-la, em um misto excitante de prazer e dor, por meio de tantas tapas.
E saindo de lá como entrei, com os bolsos sem nenhum níquel, não apenas ganhei a aposta, como a lembrança de uma de minhas melhores memórias.
Petrúquio, em seguida, em meio a tantos risos, levantando-se da mesa, pôs-se a declamar o Soneto de todas as Putas de Bocage, tendo na mão, levantada, uma grande taça de vinho:
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:
Dido foi puta, e puta d’um soldado;
Cleópatra por puta alcança a coroa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.
- Ah! Bocage que seria dos poetas sem as putas – exclamou Petrúquio.
- E nada seriam das putas sem os libertinos! – completou Márcio.
- Um viva, pois, a estas verdadeiras discípulas de Vênus, a estes seres tão desprezados, outrora tão cultuados, e que, ao contrário das hipócritas virtuosas, fazem tanto bem à sociedade, pois quantos estupros não têm evitado!
Após o imenso murmúrio que se seguiu às palavras de Petrúquio, com os convivas ora aplaudindo, ora gritando: viva as putas, viva as putas... disse-lhe Márcio:
- Então Nise era uma masoquista?
- Quanto a isso não há a menor dúvida.
- Assim como não há a menor duvida que és um sádico – completou Márcio.
BOSCO SILVA: http://cerebrau.com.br/

Um comentário:

  1. Parabéns, Bosco. Texto corajoso, interessante. Gostei muito da trama e dos personagens: todos com um tempero de comédia trágica muito rico. Queremos mais.

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