De quem é a culpa?

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Entropia (parte I)

(por Marlon Vilhena)

Trilha Sonora: The Silence Cries (Trail Of Tears).


Três e meia da manhã, justo no momento em que surge o carro virando a esquina à direita, sem frear. O motorista quase perde o controle do automóvel, mas consegue voltar ao asfalto depois de avançar cerca de quinze metros sobre a calçada e derrubar longe uma lixeira pública, que acaba parando do outro lado da rua. Nenhum pedestre à vista. Os pneus cantam e não aparece ninguém para testemunhar o que acontecia. Melhor assim, pensou, ou ao menos foi o que tentou pensar. Péssima idéia ter começado a pesquisar aqueles malditos textos, agora não havia volta. Era uma certeza tão grande quanto a de que estava prestes a enlouquecer.

Ele não podia parar o zumbido que vinha de dentro da cabeça, um zumbido que parecia dominar completamente seus ouvidos, já que não ouvia o motor gritando debaixo do capô, ou mesmo seus próprios uivos de dor, enquanto segurava e apertava os dedos em volta do volante com força. Concentre-se, merda, concentre-se. A agonia era muito grande. Outra vez subiu na calçada, esbarrou a lateral direita do carro em uma banca de revista, faíscas saltaram para trás. Bateu na cabeça em desespero com uma das mãos, tentando expulsar aquele barulho de si, em vão. Sabia que não podia mais fazer coisa alguma.

Uma pontada na nuca, bem no fundo do cérebro. Um grito estridente, fazendo-o levar as duas mãos aos cabelos. Foi quando perdeu a direção totalmente, fazendo com que a frente do automóvel batesse violentamente contra um poste de iluminação. Ainda apertava a cabeça entre os dedos ao ser arremessado pelo para-brisa. Bateu o ombro direito no corpo de concreto do poste, fraturando a clavícula, porém nem a sentiu. A outra dor era muito maior. Caiu na calçada e foi deslizando e girando, esfolando cotovelos, rosto, peito e pernas. Estranhamente, enquanto a sua carne assava com a fricção no chão, o sofrimento e o zumbido diminuíram. Parou a vinte metros de onde ocorrera a colisão, o poste meio inclinado sobre o carro, um dos cabos de eletricidade rompido, e parte da rua sem iluminação. Não tinha forças para se levantar, nem queria. Tudo o que pensava então era que aquilo tinha acabado. Sim, tinha acabado. Um meio sorriso surgiu em seus lábios sangrando, um sorriso de alívio. Podia descansar, enfim. Fechou os olhos enquanto vinha um último pensamento.

Perdão, filha. Perdão.

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