De quem é a culpa?

domingo, 16 de março de 2014

Dos Diabos (inspirado na fotografia "Persianas", de Fabio Castro)

(por Marlon Vilhena)

Trilha Sonora: The End Of The Line (Metallica).


Dois passos. Um passo. Para. Olha ao redor. Calor dos diabos subindo a rua. Só resignação.

Caminha e caminha. Suor na testa, suor na nuca. Ajeita os óculos sobre o nariz, vira a esquina. Chega à casa velha e pensa que era onde não queria estar. Persianas na janela ao lado.

— Senha.

Uns olhos escuros.

— Senha?

As persianas não falam. Uns olhos vão e vêm. As persianas não falam.

— Ahn. Ahn. Treze?

Uns olhos vão e vêm. As persianas não respiram.

— Pode subir.

Olha para frente, acompanhando e medindo a passagem. A escada no final. Alguém acena do último degrau. Ninguém mais. Um passo. Dois passos. Vai de pouco em pouco, encarando o fim. As persianas observam.

— Três. Quatro. Merda. Cinco. Seis.

Alguém abaixa o braço e aguarda. Depois acena novamente. Algo longo levantado bem alto na mão. Alguém sacode e balança o objeto acima da cabeça. Alguma empolgação.

— Sete. Oito. Ah, merda. Nove. Dez.

Alguém agora dá pulinhos. Risos. Pulinhos, risos.

— Não tenha pressa. Sem problema.

Continua, continua. Calor dos diabos aumenta, então vai tirando a camisa, não suporta mais. Tira o cinto, a calça, os óculos. Mais resignação. Fica nu e não se importa mais. Calor dos diabos pelo corpo inteiro, pelo mundo inteiro.

Alguém segue pulando de um lado a outro. Risos e fungadas, mais alto, mais alto. O objeto longo brilha acima da cabeça e brilha outra vez. Só empolgação.

— Venha, pode vir. Pode vir.

Bolhas na pele enquanto chega ao fim da escada. Bolhas estouram, bolhas nascem, bolhas vazam. Agora de joelhos sobre o chão, calor dos diabos, cabeça baixa, olhos secos. É agora, pensa. Alguém levanta o objeto mais alto. Mais brilho.

As persianas lá embaixo.


Mais um que vira a esquina. 

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