De quem é a culpa?

terça-feira, 26 de outubro de 2010

BRANCA DE CASTELA (de Marcos Salvatore)

by Milo Manara
Sou um patife-sem-coração, mas acredito no amor. Aliás, confio no amor. No desejo de fazer amor com uma mina só, até ficar velhinho, bicho. Escrevendo livros pra crianças. Contando histórias de “Sessão da tarde”.
Não sei se já notaram. Mas todos têm suas pequenas metas, taras, aqueles pequenos objetivos: talento, vocação, empatia ou glória. Aja encruzilhada, meu irmão. O meu objetivo é só um, mêu: Um beijo de prata da mulher aranha, minhas costas sangrando do seu arranhão.
Dinheiro? Não, dinheiro não. Como diria meu amigo Marlon: - “Pra quê que serve dinheiro afinal“. “Pra cume muié uai!”. Conheci um sujeito que se amarrava em “chuva dourada”. Vocês sabem: quando a mulher mija bem na nossa cara de panaca.
E a égua dizia pra ele: - “Deixa eu xixar na tua cara feia, deixa?” E o animal: - “Vê se manéra, que da última vez eu nem senti o quentinho, hein?”
Ah, “vamo” lá! Quem nunca teve um “amor fecal” na vida? Uma gatinha linda que adorava estourar teus cravos e espinhas, com carinha de anjo, que um dia te passou “aquela gonorréia” ultra matinal? Ou uma coroa seriíssima que adorava criar aquele clima lúdico, de menina: - “Vai, vai filho da puta! Mete, mete nesse xirizão quente! Soca, soca! Agora me chama de tigresa! Isso, grrrrrauauauau. Agora me bate, me bate! Agora diz que me ama! Agora me chama de puta!” Tem também aquela que adora chorar por qualquer coisa, tipo passivo-agressiva. Tem de tudo, porra! Você tem sempre uma história pra contar de Rapunzel a Elvira Pagã. De Meia-nove, bola-gato, escorrega-bunda.
Não tem nada a ver, mas outro dia, resolvi voltar ao Dom Bosco, meu antigo colégio, e verificar se uma mensagem que escrevi pra mim mesmo ainda estava lá – sou um pixador ( ou pichador?) frustrado. Eu fui. Acontece que hoje o lugar está dividido: colégio de dia e faculdade à noite. Fui à noite e pude constatar que o pátio, outrora imenso, hoje não passa de poucos metros quadrados dentro de uma escuridão de “Bruxa de Blair”.
Uma vez, a bola de vôlei subiu até o terceiro andar. Fui buscar muito puto. Quando chego lá, me deparo com duas irmãs, só na delas, curtindo vocês já devem imaginar o quê. Fiquei só de touca. Só no sapatinho. Pô, mas eu gostava mesmo era da Irmã Branca (nome de santa espanhola). A irmãzinha mais gente fina das paradas. Vinte anos. Puro sexo. Um tesão de fêmea, com 1,80 de altura, lindos olhos cor de esmeralda, peitos e bunda de mulata campeã. Peguei ela fumando escondida, uma vez. Só tinha um problema: era careca e possivelmente também jogava no time titular do terceiro andar: “As sandálias do pescador”.
Porra, eu tava contando isso, e a gora me lembrei do Badiu, Putio – sei lá porra, no Bazar do Rock, me contando de um boteco das antigas, com quadros de santos por todos os lados, estilo Belém da “Belle époque”, um balcão da “reforma sanitária”. Um boteco onde ele de vez em quando toma “uns” aditivo bardhal e se sente num nostálgico seringal, amarrado, pelado e rodeado por índias canibais, comendo purê de banana. Ele me falou que, outro dia, um pau d’água virou pro dono e falou: - “Ô seu Manoel, cadê o tira-gosto? “O que tem aí pra já?”
- Tira-gosto? Peraí. Tem charque, serve?
- Só se for a jato.
- Tá, então toma.
Uma quarta de charque cru do Marajó bem cortada na peixeira, em cubos.
Mas, como eu dizia: atrás do que sobrou da antiga arquibancada. Embaixo do primeiro degrau. Foi lá que, numa tarde de domingo, um menino apaixonado por uma santa escreveu:

“Você gosta da noite
E ela te retribui com a lua e as estrelas.
Você gosta do sol
E ele te retribui com todas as cores do dia
Você gosta de alguém
Depois tem que aprender tudo de novo.”

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Poema da sala branca

(Trilha sonora: Olivetti Lettera 82; silêncio; Bob Dylan)


Se não se percebe tanto
que o vento que sai
pela janela, vívido,
não deixa de ser
um ir embora,

como não se percebe
que aquele suspiro
saindo da boca, exausta,
assinala o momento
em que o amor pôs-se fora?

E se se entende
que o acender da luz
na sala branca
não deixa de ser
uma iluminação,

como não se entende
que a mesma luz na sala,
franca, esclarece
uma perene solidão?

A luz que ilumina
a voz ausente
que o vento varreu,

o vento que sopra
da memória o rosto
que se perdeu,

a sala que encerra
de forma branca e franca
um condição,

a luz, a brancura e o vento
que tornam possível um momento
de límpida assombração.

Sala-tudo
em que não se espera o lugar
mas uma história -
repetição.
(por Renato Gimenes)

Artistas de quem gostamos (I): René Magritte

René Magritte, Os Amantes, 1928

Quantos de nós não se sentiram assim?
Quantos de nós conseguiram tirar os panos do rosto?
Quantos de nós não desejaram colocá-los de volta?

Postado por: Renato Gimenes

René François Ghislain Magritte (Lessines, 21 de Novembro de 1898Bruxelas, 15 de Agosto de 1967) foi um dos principais artistas surrealistas belgas.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

OS CRAVOS DO MEU PAU – Confissão irresponsável (De Marcos Salvatore)

by Peterio



 

- Grande noite ouvintes do Efêmero! Rádio Errática, 22.7: “Um som para o silêncio da cidade”. Uma chuva de anteontem lá fora, bicho!. Agora, informe comunitário, depois, mais música!

- Marcos Salvatore. Codinome “Socram Lael”, um atrevido panfletista arbitrário, membro original da excomungada “Sociedade da Grã Ordem dos Quatro Elementos”, fugiu à pouco da delegacia do Marco, disfarçado de pastor evangélico, deixando desacordado no chão da cela, embaixo de uma goteira, um embriagado verdadeiro prelado.
O fugitivo que aguardava julgamento e decreto de sentença desde a última sexta-feira, quando foi preso em flagrante, distribuindo escritos ilegais em frente a uma tradicional escola de dança do mesmo bairro, se aproveitou do temporal, enquanto os guardas consertavam as goteiras do prédio e revezavam nos baldes.
Ao ser preso o criminoso manifestou a vontade de se converter ao protestantismo luterânico, mas, como nenhum luterano foi encontrado, providenciou-se um missionário improvisado, interessado no difícil caso.
- Acredita-se que seu paradeiro seja conhecido dos outros integrantes da sociedade, cujas identidades permanecem em segredo até hoje. Suspeita-se da participação de acadêmicos, membros honoráveis da carteira de educação do estado, todos professores de tradicionais instituições de ensino, que estão sendo investigados, neste momento.
- Após a descoberta da fuga, foi encontrada uma página aparentemente camuflada entre as nádegas do pastor, acredita-se que a lauda esteja incompleta. Segue a íntegra de seu manuscrito:


“Aos 10 anos eu era cheio de espinhas, no peito, nas costas, no rosto. Dos oito aos nove, cravos, cravos que não acabavam mais, literalmente. Em todo lugar haviam cravos: nos braços, na bunda, porra! Meus primeiros cravos foram no pinto, aos sete anos, sete. Puta que o pariu! Achei que era por causa de tanta punheta, mas nunca tive cravos e espinhas nas mãos. Nunca.
A melhor coisa em se masturbar é a possibilidade de reviver cenas eróticas, passadas, futuras e de todos os devaneios. O Pau é um conector para outras dimensões.
Basta esfregar um pouco e a gênia da lâmpada faz aquele velho truque funcionar mais uma vez. De preferência uma gênia estilo Barbara Eden.
Pela minha cabeça, sempre caminharam descalças, mulheres fantasmas: loiras, morenas, coroas. Mulheres deliciosas, com seios fartos e olhares malignos.
Sempre me referi aos meus seis anos como “seios anos” por causa da minha obsessão por peitos (até hoje eu adoro uma maminha. Sempre peço: “- a peitnha, baby, a peitnha”) e também por causa da minha primeira ereção voluntária, depois de ver uma vizinha tomando banho na chuva.
Era quase noite, no meu quintal, eu também tomava banho, mas não cantava, ela sim. Ouvi uma cantiga diferente e subi na cerca que ficava atrás da privada, e vi aquela mulher suculenta, de seios caídos, lavando roupa atrás de uma bananeira e ronronando.
Eu já disse que ela estava nua? Não estava. Mas aquele vestido molhado, colado no corpo como uma segunda pele. E aqueles peitos de bicos “abre-te-sézamo”, rodados que só. Foi a fome com a vontade de foder.
Ela olhou para um lado, depois para outro. Espremeu o que parecia ser uma calcinha e começou a esfregar entre as pernas. Fez aquilo bastante e com tamanha convicção que deu perceber numa boa que estava gostando de fazê-lo.
Fui ficando aperreado. Um mundo novo nascia ali pra mim. Meu pequeno mastro, outrora apenas mangueirinha de mijo, se enrijeceu. Nunca mais fui o mesmo. Foi meu pau que me acordou para mundo, para as pessoas, e para as fêmeas ao redor.
Estou exagerando um pouco, pra que vocês vejam como eu me sentia. Só eu sei se era feliz ou triste. Era um sonho fugaz, um instante de claridade, um outro plano de realidade.
As casas do bairro eram de madeira. Os banheiros, no quintal, longe do lar, unidos banheiro e sanitário. Caixas de madeira com buracos serviam de privada sem descarga, por isso, quando a gente cagava sempre olhava pra baixo, e podia-se ver os bichinhos das fezes comendo merda, paninhos de bode etc. etc.
Digo isso por que, depois daquela noite, estava viciado. Viciado, eu disse. Mas o termo não seria esse. Como alguém se torna um depravado? Um imoral? Estava pervertido e não sabia. Apenas passei a olhar pelas brechas das tábuas, o banho e a foda de todas as moradoras da rua. Todos os fins de tarde eu sumia. Ninguém me encontrava, eu estava inacessível até para mim. E aquilo acontecia sempre em função de novas ereções. Tentava romper com aquilo, mas me agarrava mais e mais, e me perdia mais e mais.
Não devia estar contando isso, evidentemente, eu sei. Mas é que todo bandido volta à cena do crime, não é? Então, aqui estou. Aquelas mulheres, com sua nudez entrevista, me faziam gozar na carne e nos ossos. Eram vizinhas: mães, tias, avós, conhecidas, desconhecidas. Estava unido a elas. Escravizado. Submergido. Sozinho.
Vocês devem estar se perguntando se ninguém nunca me pegou. Nunca. Eu era como um drogado, sempre em busca de novas doses, que triplicavam à medida que o corpo as absorvia menos. Como uma música da Ângela Rô Rô. Não, não. Como uma página do diário de Kurt Cobain.
Se mestre Ioda soubesse disso, diria: “ – Hum. Um pequeno voyer, você era. Confusa é a força em você. Hum!”
Jesus, aquilo tinha que parar. Foi aí que a punheta me salvou.
Todo mundo sabe, que essa história de calo e cabelo nas mãos é papo furado. Mas se fosse verdade, seria muito fácil me identificar como um punheteiro nato.
Meu talento para a bronha era tanto, que chegava às raias do abissal, do animalesco. Cinco, seis, até sete vezes por dia, e nos lugares mais inusitados: escola, igreja, debaixo da cama, em cima da árvore. Durante um tempo, me amarrava em bater na casa dos outros. Cheirando calcinha da dona da casa, quando tinha sorte de encontrar uma. Uma vez peguei uma com os fundilhos sujos. Êh!
Sabe a sensação que me dava? A de que aquilo me curava da ânsia de brechar.
Havia uma casa de candomblé, no final da rua, perto de casa. Acho que a única pessoa que sabia o que eu andava fazendo era uma senhora que ficava fumando numa das diversas janelas da casa. Eu passava e dona Erundina me seguia com os olhos. Penso nela e lembro de sentir arrepios, calafrios que começavam no pé e terminavam no cú.
Mas, eu falei que ninguém me pegava. Acho que menti sem querer. Me pegaram sim. Um dia eu não resisti à tentação, nem a punheta adiantou. Estava lá, saboreando uma vizinha de boceta raspada, já de noitinha, quando ouvi uma voz bem baixinha sinistra, como se fosse uma visagem ou assombração: “- Te peguei, filho da puta!!” Pensei que fosse a tia da janela. Antes fosse.”


- Rádio Errática, Efêmero, 22.7! Informa que todos os alertas de prisão para o dono da história foram cancelados! Parece que o cara foi encontrado seminu, de braços abertos, correndo como uma criança pela Ponte do Galo, brincando com a chuva e gritando: “- No Brasil, ninguém passa fome, porra”! Esse é o cara! Maior barato, cara, Belém tem dessas coisas!
- Bom, e o mínimo que a gente pode fazer pro figura é oferecer uma música. Aí, Salvatore! Nosso Cavaleiro da tempestade. Se liga aí! Que galera é essa meu irmão?!
- Um som para o silêncio da Cidade!

FIM

domingo, 17 de outubro de 2010

"Croniketa"II

Trilha sonora: Salão de beleza, Zeca Baleiro.

Conversa em parada de ônibus:
- Ela é velha?
- Sabe essas que são, mas nem dão pinta. É assim, parece nova.
- É bonita?
- Engraçadinha.
- Deve ser horrível!!
- Hum, rapá, horrível é ficar na situação que tu tá.
Fez-se um silêncio...

Fabio Castro (Relato de Jeane Oliveira)

sábado, 16 de outubro de 2010

"Croniketa"

Trilha sonora: O meu guri. Chico Buarque de Hollanda

O filho, de mais ou menos 3 anos, conversa com o pai:
- Pai, isso é um sapo é? - Pergunta apontando para uma pedra.
- É, "papai", é um sapo. - Responde o pai.
Nesse instante, o pai priva a criança da oportunidade menos dolorosa de saber a real diferença entre uma pedra e um sapo.

(Fabio Castro)