De quem é a culpa?
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quinta-feira, 31 de março de 2011
O TÍTULO SÓ DEUS SABE (de Haroldo Brandão)
TARDIA PAZ (de Juliana Calonico)
Sentia uma ânsia horrível.
Uma vontade imensa de vomitar o mundo filho da puta que a habitava.Trancou a porta,engoliu todos os comprimidos do frasco.Exatamente os trinta.Deixou que a água deslizasse por sua garganta.
Fechou os olhos e ficou a imaginar o universo perfeito.
Estranho era o seu mundo.Não se encaixava, desde menina sofria com sua diferença clara perante as amigas.
Tentou ser igual,tentou ser uma adolescente comum mas sua fome de mundo a fazia, mesmo que não admitisse ,um ser diferente.
Enquanto as outras decidiam qual a melhor faculdade,ela simplesmente não pensava em nada.
Achava o futuro algo distante demais.
Seria meu Deus ela uma pessoa anormal?
Não podia só existir?Não bastava deixar o ar entrar e sair?
Diante de suas dúvidas,deixou a vida entrar pelo nariz e tentou seguir.
Casou-se cedo demais.Teve filhos cedo demais e descobriu que o que pensava a respeito da vida, era o certo.
Mas foi tarde demais...
Sentiu então uma aconchegante sensação.
Uma paz tardia,seria um belo final...
quarta-feira, 30 de março de 2011
TEMPORALIDADE (de Milton Meira)
terça-feira, 29 de março de 2011
AS FACHADAS E OS PASSOS
(Trilha sonora: Wilson Simonal, “Zazueira”)
Segue. Tu vais, agora,
andando em direção às praças largas,
às praças velhas, em teu passo pequeno,
moreno e apressado.
Segue atrás da matéria
que viabiliza teus sonhos,
passando em meio às fachadas
das casas que testemunham
teus passos.
Pouco a pouco, mistura teus passos
ao passado destas fachadas mudas,
maquiadas de tinta,
castigadas de chuva
e vento, enquanto
entre um compromisso
e outro,
uma preocupação
e outra,
um ônibus
e outro,
um cigarro
e outro,
uma saudade
e outra,
sente tuas músicas
dentro de ti,
tuas trilhas sonoras
de tua vida jovem.
Pouco a pouco,
estas fachadas mudas
falarão contigo
sussurrando
seus segredos
não com palavras,
mas com linhas,
com cores,
com ângulos,
com arestas,
com matemática,
desabrochando detalhes
que dar-se-ão
aos teus olhos.
Teus olhos
que nasceram
para compreender
a beleza,
e para levá-la
às tuas mãos
que comporão
no papel
as noites
e sombras
que tanto amas.
Teus olhos
e mãos
que te farão
confidente
das fachadas
que hoje
te veem passar.
(Renato Gimenes)
ANTEPASSADO
(Trilha sonora: Simon & Garfunkel, “Voices of Old People” “Old Friends/Bookends Theme”)
Para Josefina Margarida de Oliveira (1907? - 1995)
De ti,
me lembro
dos xingamentos
que me faziam rir
e das palavras
mais velhas
do que toda a idade
que tu tiveste.
Mais velhas
que o século que te gerou,
palavras provindas
de outros tempos
palavras provindas
de outras bocas
de outras épocas
de outra memória
portadora de um tempo
que parecia não ter tempo.
De ti
chegavam
por detrás dos óculos
e do alívio
que se seguiu
à sua morte
e de como o café paulista
ajudou a matar
o teu pai.
Em mim, causaste
esta necessidade de História
que eu amo e que me amaldiçoa.
De ti, também me lembro
de como tuas palavras
traziam
em meio ao papel
velho e encardido
do livro de orações
- mais decorado do que lido -
a proximidade do diabo
a proximidade de Deus
a proximidade dos santos
a proximidade do Juízo Final
a proximidade do perdão
brotando do livro roto,
desfeito, gasto, sujo
e sussurrado diariamente
às seis da tarde.
Palavras
misturadas ao gosto
do café, do pão e da manteiga
que antecedia o teu cheiro
de sabonete antigo,
que eu sentia
antes de dormir,
não sem antes
ouvir as cantigas
também de outros tempos
legadas pela tua voz baixa
que, vez ou outra,
noticiava a vida
dos parentes andarilhos
e migrantes.
Me lembro bem
do dia em que o Nada
começou a se apossar de ti,
domingo, à mesa do almoço:
o Nada se instaurou em ti
naquele pequeno engano
quando você ia nos servindo
ketchup pensando ser refrigerante.
Você riu. Você recebeu o Nada
com um sorriso.
E eu vi os dias passarem
e eu vi o tempo curvar-te
e eu vi como o Nada
paulatinamente
tomou o lugar
das orações,
de Lampião,
de nossos nomes,
e do Dia do Juízo
tornando
a perplexidade
cada vez mais
companheira da memória.
A mim,legaste
o horror ao Nada e o temor
de que nem o Apocalipse sobraria...
Quando por fim
o Nada ganhou,
me foi apresentada
aquela sensação extrema
de ruptura irremediável
feita de madeira,
cimento e terra
e pranto
que a tudo transforma
em passado
e que tem o poder
de fazer o Nada
se espalhar
em pequenas gotas -
e algumas delas
me molharam.
Em mim,
instauraste esta luta
para que essas gotas
nunca virem oceano,
e a convicção
de que a relva
que te recobre,
assim como as lápides,
são monumentos
que por si só
não subsistem.
(Renato Gimenes)
segunda-feira, 28 de março de 2011
CRONIKETA VII (Histórias de Raquel e Solange)
(Por Fabio Castro)
- E aí, Quelzinha, o que houve? Teve uma hora que você sumiu...
- Menina... conheci um americano escândalo!
- Sério?!
- O quê? Desse tamanho. De perder de vista.
- E aí? Conta, conta!!
- E aí nada. Ele não falava uma palavra em português e você sabe que o meu inglês não existe. No máximo que rolou foi um beijinho no rosto.
- Que horror, Quequel!!
- E você, Sô, por onde andou?
- Eu continuei um pouco no bloco, mas logo me dispersei quando me agarrei com aquele russo espetáculo, lembra?
- Tá brincando? Aquele que era de fechar o comércio?
- Isso! Esse mesmo.
- Menina!... mas ele falava português? Porque russo eu sei que você não fala...
- Nem uma palavrinha.
- E como vocês se comunicavam?
- A mão dele falava português fluentemente.
- E eu presumo que a sua, russo.
- Desde pequena. Você não sabia que as mãos são poliglotas?
- Ai, Sô, não sei como você tem coragem!
- Hum... hum... tão menina, tão mulher e tão tola.
CRONIKETA VI (História do garçom Théo)
(Por Fabio Castro)
Trilha Sonora: O último dia – Paulinho Moska & Billy Brandão.
- Bandido: Isso é um assalto. Passem todo o dinheiro do caixa e as joias.
- Garçom Douglas: Por favor, moço, vamos passar, mas não atire.
Enquanto o garçom Douglas recolhia o dinheiro, alguns gritos foram ensaiados, mas logo abafados pela demonstração das armas de fogo. O garçom Théo observava atentamente todo o bando e foi acometido por um sentimento que transitava entre o pânico e o desejo.
- Bandido: Rápido com isso, rapá. Não tenho o dia todo. Ei, vagabundo! Solta esse telefone. Quer levar um tiro, seu merda?
- Garçom Douglas: Por favor, moço, não nos machuque!
- Bandido: Vou logo avisando que se não tiver muito dinheiro aí, vamos comer o cu dos garçons.
- Garçom Douglas: Por favor, moço, não faça isso? Estamos trabalhando e já é final de expediente. Todo mundo aqui tem família. Faz isso não!
- Garçom Théo: Cala a boca, Douglas, você não entende nada de assalto.
sábado, 26 de março de 2011
Leave us kids alone
Trilha Sonora: I Don´t Wanna Grow Up (Tom Waits), Another Brick In The Wall (Pink Floyd).
— atenção, crianças.
quinta-feira, 17 de março de 2011
Folhas secas ao vento
quarta-feira, 16 de março de 2011
PAPEL INSTANTÂNEO (de Celi Abdoral)
Ontem, no meu sonho
eras todo poesia
Nada de carne, ossos, tez.
Só papel, linhas, letras
e coração de palavra-metáfora,
com sangue de nanquim.
FAZ DE CONTA... (de Juliana Calonico)
Faz de conta
Que você sou eu
Faz de conta
Que eu sou você
Faz de conta
Que não me perdeu
Faz de conta
Que não perdi você
Faz de conta
Que nada aconteceu
Faz de conta
Que o amor não morreu
Faz de conta
Que o jardim ainda floresce
Que no teu coração
O sentimento ainda enternece
LARANJAS (de Ronaldo Fonseca)
Laranja-cravo
-comum
ou baía
diferentes sumos
texturas
e sabores
mas iguais na alegria
Alegrias verdes
e amarelas
quando fruto
Ou uma alegria anterior
de cor branca
e cheiro de néctar
quando flor de laranjeira
Algumas laranjas
derramam seu caudo
por fartas mesas
Outras são apenas
objeto de desejo
de barrigas secas
No campo ou na cidade
é preciso democratizar as laranjas,
as laranjeiras
sexta-feira, 11 de março de 2011
LUPANAR (de Marcos Salvatore e Gleice Portugal)
- E aí? Tudo em cima?
E ele responde, num híbrido de nada com coisa nenhuma, faz suas sobrancelhas gargalharem de forma maligna e diz:
- Bais ou benos?!
(...)
Guenta!
Levanto, atravesso o corredor e chego até um concorrido pátio pra tomar um ar. Encontro uma amiga que lá pelas tantas me fala sobre ruas, avenidas, alamedas...
Denunciar · 20:41
PURO CONTRÁRIO (de Gleice Portugal)
"...a extrema beleza psicológica de um homem, misturada com a extrema feiúra de sentimentos de uma mulher!"
quinta-feira, 10 de março de 2011
Álvaro de Campos (overdose de)
O BINÔMIO DE NEWTON
O Binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.
óóóó — óóóóóóóóó — óóóóóóóóóóóóóóó
(O vento lá fora.)
TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
NA CASA DEFRONTE
Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,
Que felicidade há sempre!
Moram ali pessoas que desconheço, que já vi mas não vi.
São felizes, porque não sou eu.
As crianças, que brincam às sacadas altas,
Vivem entre vasos de flores,
Sem dúvida, eternamente.
As vozes, que sobem do interior do doméstico,
Cantam sempre, sem dúvida.
Sim, devem cantar.
Quando há festa cá fora, há festa lá dentro.
Assim tem que ser onde tudo se ajusta —
O homem à Natureza, porque a cidade é Natureza.
Que grande felicidade não ser eu!
Mas os outros não sentirão assim também?
Quais outros? Não há outros.
O que os outros sentem é uma casa com a janela fechada,
Ou, quando se abre,
É para as crianças brincarem na varanda de grades,
Entre os vasos de flores que nunca vi quais eram.
Os outros nunca sentem.
Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.
Nada! Não sei...
Um nada que dói...
Álvaro de Campos é um dos heterónimos mais conhecidos do poeta português Fernando Pessoa. Este fez uma biografia para cada um dos seus heterónimos e declarou assim que Álvaro de Campos: «Nasceu em Tavira da Serra Grande, teve uma educação exemplar de Liceu; depois foi para Glasgowsky, Escócia, estudar engenharia naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente Médio de onde resultou o Opiário. Agora está aqui em Salvador em inactividade.»
Era um engenheiro de educação inglesa e origem portuguesa, mas sempre com a sensação de ser um estrangeiro em qualquer parte da África. Pessoa disse também em relação a este heterónimo que :
Eu fingi que estudei engenharia. Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda. Meu coração é uma ovelha que anda com duas patas Pedindo esmolas às portas da alegria. |
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quarta-feira, 9 de março de 2011
ANINHA E O CELULAR (de Bosco Silva)
sexta-feira, 4 de março de 2011
INSTANTÂNEO (XXI)
Dr. Jekyll & Mr. Hyde
das palavras.
Como eu queria
que Mário Bortolotto
te soubesse...
Para meu amigo Marcos Salvatore.
Feliz Aniversário (atrasado, como sempre...)
CÂNCER (Renato Gimenes)
Antes de tudo, a casa
- ou melhor, a carapaça
que serve de casa.
Casa que é cofre
de entranhas prontas
para sentir tudo
como se fosse a última vez,
várias vezes ao dia.
Ter na carapaça um lar
e abrigar nas entranhas
tudo o que se ama
ainda que às custas
das próprias entranhas.
E ter pinças
para enfrentar
um mundo
que é mangue,
e ter pinças
para escrever
na areia do mangue
escavando vida
na lama
na esperança
de colorí-la
de matizá-la
mesmo tendo
a absoluta certeza
de que cores passam
de que a areia passa
de que o tempo passa:
angústia de segurar
o tempo e a areia
com pinças
trabalhando
para dar forma
à lama.
E ter a necessidade absurda,
desmesurada
de amor
de sexo
de abraços
e de vinho
e de vodka
e de palavras
e de vozes -
necessidades típicas
de quem conhece
o que é experimentar
a vida
de dentro
de uma carapaça.
Em tudo a memória
presente na ponta das pinças
presente no que está espalhado
e marcado
na carapaça,
como conchas
como pingentes
como sinais
como cicatrizes -
memorial
de momentos vividos
assimilados às entranhas
fazendo-as densas,
lentas, plenas, planas.
Consciência de quem tem
entre as entranhas
e o mundo
uma carapaça,
ora blindagem,
ora rosto, que
nem sempre deixa
exposto
o efeito
das memórias guardadas
nas entranhas
como fármacos,
que ora curam,
que ora matam.