A partir do poema-fotografia "Persianas", de Fabio Castro. |
Poucas
palmas em Belém: algum lugar entre as duas
e as três.
Mas a
chuva dourada da Xeiro Verde respinga bastante. Justifica o nome da artista,
seus classificados. Uma mulher famosa entre os pescadores fracos e oprimidos.
Ou eu
amo Dor de Cotovelo ou me odeio com hora extra.
Agora,
imaginem um viado preto, transexual, ex líder de gangue, evangélico dizimista, vegetariano,
frentista trocador de óleo e brother, velho camarada. Se eu disser que, ainda
por cima, essa bicha querida é fã de Agatha Christie, vocês não acreditariam.
- Ih,
adoro. Já passou das sete doses, Bofe. Larga essa carta.
-
Nove. Estou contando. Depressão tem muita cede, Vaca.
- Ave,
esse chifre está charlando.
-
Essa mulher bagunçou com a minha vida, porra. Não te mete.
- Humhum,
eu hein! Vai acabar piorando, tá, meu bem?
-
Problema meu.
-
Então, se joga.
Essa
Síndrome de Madame Satã ambulante é o Nildo, vulgo Letticia, meu melhor amigo
de infância. Exemplo de que a cultura de uma geração não se transmite a outra.
Um
artista performático da terra – se é que a madrugada do bairro do Comércio seja
a Terra de alguém. É a minha. Assim como a concepção do espetáculo, o texto
inflamado, enfim. Seu show de Clara Nunes é imbatível. Puro Almodovar com Liza
Minelli.
Mas,
preciso dizer mais uma sobre o Nildo: conhece trechos de Nietzsche de cabeça.
E, nesta
noite, aqueles cílios adoráveis pagaram o maior sapo: - “Aos 36 anos desci ao ponto mais débil de
minha vitalidade: vivia ainda, mas sem enxergar um palmo diante de mim”.
Dobro
a carta e a guardo no bolso da camisa, junto com o cigarro. Ainda dou um tempo
para ver o Nildo cantar Retrato em Preto e Branco: - “Lá vou eu, de novo, como
um tolo”.
E
assim fui, do Biri Nights em direção à sopa (com ovo cozido). Janto e saio para
uma saideira na escadinha da Feira do Açaí. Gosto de andar – herança de três
casamentos.
Perto do
Verol, com vista para o primeiro necrotério: morte antiga e sanitária.
Jornalismo é aventura. Na Cremação os animais eram incinerados. Porém, acredito
que alguns indesejados também viraram cinzas.
Sinto
falta de uma trilha de rock, na veia e regional, logo, solicito uma trilha de Clube
da Esquina para a travessar a pracinha do relógio e ir mijar no canto da
farmácia.
De
cara, uma magrela linda, cheirando a cola de sapateiro (reconheci o aroma), me
pergunta se eu topo uma voltinha por um troco ou um completo. Liquidação!
Ora,
todo bêbado passa por um processo de decomposição moral que puta que o pariu.
Então, como um bom jocoso-conservador, cato a camisinha no bolso esquerdo de
trás e parto para o crime.
Só demora
uma esquina e uma Praça da Sé para a promoção da minha vigésima sétima surra pública
dar resultados. O Nietzsche do Nildo daria alegre adesão a minha surpresa? Ela,
por outro lado, eu já sei, diria: - “Tô passada, mas bem feito”.
Quem
nunca foi jogado escadaria abaixo não tem noção do significado da restauração
da inteligência. Penso: - “Será que isso é porque eu não sou mais partidão?”.
Já
tinha enfiado na bundinha da pequena, marcadinha de carapanãs. Estava tão
gostoso que a primeira pancada na cabeça me fez gozar na hora. O vento
assoviava por entre as folhas das mangueiras centenárias. A mesma canção que
soprou para um dirigível no passado. A gala escorria líquida e inocente na
superfície do meu medo.
Tento
esconder meu pau pinganolento. Cai o celular do meu bolso, tocando Mutantes.
Apanho calado, ao som de “Vida de Cachorro”. Sou surrado desajeitadamente – uma
sorte, devo admitir.
Antes da
dor, penso: - “Se eu pegar no sono agora posso dormir direto - sonhar que estou
feliz em outra cama com ela - e acordar no fim da linha do Che Guevera”.
Ainda
vejo os canhões e conto todos os meus anos. Tarde demais para a insônia das
ondas não ser despertada quando sou jogado.
Meu
único mérito é saber perder. Então, perco e calo ao me tocar que a carta,
última dela para mim, boiava em outra direção. Tudo acabado.
Sei
nadar, mas não boiar. Enlouqueçamos, pois. Como diriam os Dzi Croquettes.
Quero
que meu corpo inchado surja na enseada de um lugar com casinhas de paredes
brancas. Brancas, não. Casas amarelas, com crianças ribeirinhas e tias catando
piolhos.
Ser
encontrado por crianças... Não, melhor virar comida de peixe e retornar vorazmente
a uma origem. Signo em vida e em morte, alimento da raça. E renascer como um domador de cavalos.
O
problema é que não acredito em raças. Nildo, também não.
Seria
complicado uma cota para ele, não acham? Aliás, com tanto nome gay muito
melhor, ele tinha que inventar justo aquele? Nome de menina de Nelson
Rodrigues.
Não
sei o nome da baía. Ninguém nunca me falou. 37 anos sem ouvir.
A
correnteza me leva. Tento lutar, mas não consigo. Uma situação que vai tornando
a existência da lua brilhante a favor das braçadas contra a corrente - mini
puta de vertente em vertente - não fala por mim, mas observa - e, observado
vou.
Meus
braços doem. Não alcanço a beirada. Não consigo gritar. Sou puxado e desisto.
Lembro
de um texto meu que a Letticia tanto gosta de trabalhar em cena, vestida de
bailarina flamenca, com faixa da presidência do Cacareco. Acho relevante e o
rezo para as estrelas:
“Oh, Deuses da pré-menstrual idade intencional
Sua sensualidade corrupta não me
inspira mais
O que existia de sensorial nesta
cidade sumiu
Foi incompatível com o bem estar da
TPM estatal
Após encontrar minha própria fome hedonista
Após entreolhar por persianas, com
ciúmes, sua demência
Dionisíaca com brancos, negros e
índios a granel
Entrego-me a baia triste e sem
filosofia
Pareceiros, desconjurados, espíritos
dos bairros
Verdadeiros combatentes. Nós só
fizemos merda!
Eu os saúdo.”
Sou
flagrado roubando a atenção de um cachorro, lá fora - penso em refrãos de Jovem
Guarda, Tom Jobim me agradaria - canção por canção não me interessa mais. Ele
late.
Um
cachorro vai me ver morrer, na espiral do silêncio. Vai saber.
(...)
Ou
saberia, se não fosse pelo barquinho de pupunhas.