De quem é a culpa?

domingo, 20 de abril de 2014

SENHOR, QUAL É?!?!? (POEMA DE DOR MESMO...)


Trilha sonora: Bob Dylan, It's All Right Ma (I'm only bleeding)


Senhor, explique-me
que porra de dor é essa!

Que dor é essa que arranca
as cores do meu cérebro
que torna meu passo arrastado,
minha respiração curta
e que me faz buscar
esperança na farmácia
financiada no cartão de crédito?

Na falta de alívio
apenas explique-me
o que é essa dor toda
que vem de algum lugar
que sou eu mesmo...

Mas não, (por favor!!!):
não dê a ela um sentido
pois “sentido” é direção
e lógica
e não quero uma lógica
    para o sofrimento
nem uma direção pra mim
pois, porra, eu já cheguei
        até aqui!

Senhor, que paciência
tu queres que eu tenha?!?!?!
Tu sabes, eu não sou Jó!
Eu não fiz tudo o que eu queria
minha felicidade não é completa
e eu já sei o que é
perder tudo e recomeçar...
Senhor, eu não sou
um servo exemplar, então,
Se toca, não há demônio
        que justifique!

E não, não me ponha
na frente da TV
para ver canecas falantes
    chimpanzés intérpretes
    robôs confidentes
    e bonecas aromatizadas!

Tá bom, então não faça nada!
Só me deixe aqui suando
e torcendo minhas mãos...

Deixe-me aqui
esvaziando minha mente
para que ela não lembre
        meu coração
do peso de tudo
o que ele ama.

(Renato Gimenes)

sábado, 19 de abril de 2014

POEMA DE PÁSCOA

(trilha sonora: Bob Dylan, Tomorrow is a Long Time)


Então já são dois mil de ressurreição?
Então já são dois mil anos
daquela ascensão?
Então a espera já dura dois mil anos...

Seja como for:
nos foi deixada a responsabilidade
de sermos felizes enquanto esperamos
o que não tem data
o que termina o tempo
e o que o recomeça.

Se assim é
Somo às estes dois mil anos
o meu parco tempo
mais modestamente contado
de 365 em 365 dias
imperfeitos.

Somo a esta espera
minhas míseras muitas
mortes e ressurreições
estaqueadas em minh'alma:
minhas múltiplas mortes
vívidas nas minhas escolhas;
meus múltiplos lutos
fundadores de minha memória,
e minhas várias ressurreições
das quais eu só continuo um Eu
por mero hábito.

Sei
que em cada pequena ressurreição
me permiti rir e chorar de alegria
por ter trocado de pelo
por ter trocado de pele
e por ter girado minha alma
em um caleidoscópio de dor
de aprendizado
de música
e mesmo, eventualmente,
de amor por corpos
que me me abriram portas
para o desconhecido.

E, em cada pequena ressurreição
quebrei mais um limite
que eu julgava impossível ultrapassar
e, surpreso comigo mesmo,
ri e me alegrei
por ter produzido
entre uma Páscoa e outra
renascimentos seguidos
às minhas mortes cotidianas
trabalhando minha alma de cera
já tão crivada de mundo
insistindo
até que, um dia,
desgastado da alegria de renascer
meu corpo finalmente descanse
na cama da Terra
na cama das águas
na cama da Vida
enquanto outros anseiam
pelo Recomeço
do tempo.

(Renato Gimenes)